Contribuições da música na formação do cidadão

29/04/2024

Américo Perin

O grego Pitágoras trouxe a razão para a arte musical objetivando-a, influenciando fortemente Platão. Já outro pensador, que também o influenciou decisivamente, foi Sócrates.

Tendo contato com o pensamento de Pitágoras, de Dâmon e de Sócrates, Platão iniciou uma reflexão racional para argumentar quais formas musicais deveriam ser valorizadas na formação ideal do cidadão para a vida, buscando, de certa forma, fugir da tradição mitológica grega, que ainda insistia em acreditar exclusivamente que os feitos artísticos eram realizados somente por uma inspiração divina, negando assim o caráter racional da arte.

O filósofo também procurou sistematizar a razão em conformidade com as emoções, harmonizando o inteligível com o sensível, fato notado nos seus 26 diálogos, todos tratando temas filosóficos de caráter racional-emotivo.

Ele afirmava a existência de dois mundos distintos: o mundo das ideias e o mundo das aparências. Faziam parte do mundo das ideias a alma e a mente. Pensava que essa divisão serviria também como uma orientação para sistematizar e se entender os desejos e as ações humanas e suas consequências, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. Não percebemos, em muitas ocasiões, que um homem levado pela violência de seus desejos a agir contra a razão que calcula prejudica-se e se levanta contra o que tem em si mesmo, de que sofre a violência; e que, como se tratasse da luta entre dois partidos, a razão encontra um aliado no ardor do sentimento que anima esse homem

Assim, Platão buscou problematizar até quando essa relação poderia ser harmônica ou quando poderia deixar de ser. Para ele, é buscando uma harmonização entre estes dois mundos que os cidadãos gregos poderiam chegar a viver uma vida melhor.

“Na alma do homem há como que uma parte melhor, outra pior; quando a melhor por natureza domina a pior, chama-se a isso ser senhor de si – o que é um elogio, sem dúvida; porém, quando devido a uma má educação ou companhia, a parte melhor, sendo menor, é dominada pela superabundância da pior, a tal expressão censura o fato como coisa vergonhosa, e chama ao homem que se encontra nessa situação escravo de si mesmo, libertino e por que não um tirano?”

A influência dos escritos platônicos no ocidente é muito forte. Geralmente, isto inclui também uma forte influência nas artes. Sustentava que as artes influenciavam diretamente a moral da vida humana. Cada uma a seu jeito, e a música com maior destaque. De acordo com sua teoria, a arte imita as coisas físicas, como: a pintura da paisagem; o canto do pássaro; a fala de alguém; enfim, tudo isso seriam as aparências. Estas, por sua vez, imitam as formas puras, ou formas ideais, que ele entende como: as formas geométricas, a justiça, o bem e o belo. Assim, as artes, além de possuírem a capacidade de mexer com nossas emoções, seriam cópias de cópias da forma pura, representações de representações da ideia, imitando a nossa realidade e nos conduzindo tanto para a verdade como para ilusão. Por isto, a arte também tem o poder de ser perigosa.

Na sua visão, é através do controle das artes, em especial, da música, que podemos formar cidadãos ideais para uma sociedade ideal. Sustentava que as composições executadas, tanto pela cítara quanto pelo “aulos” – uma espécie de flauta do nosso tempo –, teriam o poder de influenciar modificando a moral humana a rigor de quem as controla, logo possuir o poder de controlar a vida na cidade estado grega, a polis. Platão procurou atentar para a função orientadora do artista nessa formação.

[...] a verdadeira função do artista é ajudar a apreender esta linguagem da vida. [...] Assim, pois, a arte deve encontrar sua realização, seu cumprimento, na vida; e com razão pode se chamar mais educado “musicalmente” aquele cujos olhos e ouvidos estão capacitados para discernir o que é justo, não somente nas criações da arte, senão também à medida que tais condições podem ser apreendidas pelos sentidos, no mundo real de que a arte é reflexo.

Bem, na verdade, ninguém sabe quem “inventou” a música. Teriam sido os homens das cavernas que, ouvindo o som produzido pelo vento ao atravessar, por exemplo, um osso jogado no “quintal” da sua caverna? Será que esse antepassado percebeu nas suas experiências que, fazendo alguns furos que, ao serem tampados com seus dedos, mudavam o som do ar que era soprado através do osso?... Não se sabe.

Porém, a partir dessa provável experiência, foram surgindo os vários instrumentos musicais de sopro que conhecemos. A Pitágoras é atribuído o primeiro estudo científico da música e seus intervalos de frequências. A história conta que ele, ao passar pela frente de uma oficina, ouviu os sons das batidas de martelo em diferentes materiais de diferentes tamanhos. Isto o fez despertar para uma possível harmonia entre os sons produzidos.

Uma outra teoria diz que ele esticou uma corda e fê-la vibrar. Em seguida, dobrou-a ao meio, provocou nova vibração e percebeu uma mudança de som. E, assim, continuando com a experiência, “descobriu” algo que ganhou o nome de Modos Gregos:

*Jônico: No primeiro grau, temos o modo Jônico (Jônio), que é a própria Escala Maior.

*Dórico: No segundo grau, temos o modo Dórico. Trata-se de um modo menor.

*Frígio: O terceiro grau é o modo Frígio, se comparar com a escala menor de Em.

*Lídio: O quarto grau é o modo Lídio,

*Mixolídio: No quinto grau, temos o modo Mixolídio, um modo maior.

*Eólio: o sexto grau é também a própria escala menor natural (ou a relativa menor deste tom maior).

*Lócrio: o sétimo grau é um modo diminuto.

Facinho, né?

Mas só para terminar, percebeu-se que, ao executar-se uma escala em determinado “modo”, causava-se uma disposição diferente na vontade do ouvinte. Certos modos deixavam-no relaxado, feliz... Outros despertavam no ouvinte uma disposição para guerra... Então, é fácil deduzir que se poderia manobrar o ânimo dos soldados de conformidade com a intenção dos governos.

A continuar nesse assunto, o espaço ocuparia um livro de inúmeras páginas.

E então o que me intriga, já há algum tempo: o que será que os nossos generais andam escutando??