DISCUSSÃO - IFSPs e ETFs de todo o Brasil se mobilizam em defesa do Ensino Médio e contra a MP 746

Alunos e professores do IFSP Sertãozinho se mobilizaram sobre MP 746 e PEC 241 do Governo Federal
03/10/2016

Eddie Nascimento

 

Na última quinta-feira, 29 de setembro, ocorreram diversas mobilizações e paralisações em defesa da educação pública e gratuita em várias unidades do IFSP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia São Paulo) e da ETF (Escola Técnica Federal). Em Sertãozinho, o IFSP promoveu uma paralisação de três dias (12,13 e 14 de setembro) e uma mobilização no dia 22 de setembro para discutir e protestar contra a PEC 241 e o anúncio da Medida Provisória 746.

O relatório da proposta de emenda à Constituição PEC 241/2016 limita os gastos públicos nos próximos 20 anos, isso na visão dos institutos federais congela os recursos para educação e saúde em 20 anos. Já a MP 746 editada pelo presidente da República, Michel Temer, no dia 22 de setembro, institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996) e a Lei 11.494/2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). A polêmica é em relação à obrigatoriedade do ensino de sociologia, filosofia, arte e educação física que não seria mais obrigatória. Pelo texto da Medida Provisória, o governo torna obrigatório para os três anos do ensino médio apenas o ensino de português e matemática. O inglês também se torna obrigatório, mas não necessariamente para os três anos. Já os demais conteúdos como arte, filosofia, sociologia e educação física serão definidos pela Base Nacional Comum Curricular, um documento que, desde o ano passado, está sendo definido com o objetivo de nortear e definir o conteúdo que os alunos deverão aprender a cada etapa de ensino. Até o momento, arte, filosofia, sociologia e educação física não estão dentro da Base Nacional e estariam fora da grade curricular de ensino com a nova medida.

O IFSP Sertãozinho se manifestou em carta aberta contra a MP 746 e PEC 241.

“A Reforma Educacional por meio de Medida Provisória foi alvo de reprovação pelo Ministério Público, através de carta publicada no dia 19 de setembro, por meio do Grupo de Trabalho Educação, ligado à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Além disso, apresentamos algumas questões a fim de contribuir com o debate:

1) Sobre a flexibilização do currículo e a possibilidade de os estudantes escolherem por áreas. Qual a concepção pedagógica que ampara a escolha atrelada a uma área de conhecimento? Considerando atrativa a flexibilização, se o aluno gosta de Filosofia e Física, ele será obrigado a fazer duas habilitações, Ciências Humanas e Ciências da Natureza, aumentando em um ano a duração do Ensino Médio? Um aluno que pretende cursar Geografia tende a se especializar em Ciências Humanas, mas o que fazer para obter os conhecimentos em Química e Física que são requisitos para cursar Geofísica, Geoquímica e Geologia? Também seria obrigado a cursar outra especialização (Ciências da Natureza) aumentando em um ano a duração do Ensino Médio? Além disso, a psicóloga Rosely Sayão, em seu texto “Professores e alunos são tratados como peões de xadrez”, publicado em 27 de setembro, no Jornal “Folha de São Paulo”, alertou para a falsa ideia de que apenas permitir escolha é dar autonomia. Para ela, a autonomia se conquista em processo gradual “de condições para que os alunos caminhem, passo a passo, rumo ao estado de fazer boas escolhas, ou seja, pensadas, ponderadas, informadas”. A psicóloga alerta: “Se hoje os alunos que terminam o Ensino Médio já sofrem para escolher um curso universitário, imagine, caro leitor, o que acontecerá com o aluno iniciante”. Há exceções, mas, segundo Sayão, elas estão mais ligadas aos aspectos individuais e familiares, do que aos aspectos escolares.

2) Ainda que o aluno chegasse plenamente autônomo, a escola não será obrigada a oferecer todas as áreas, que dirá todas as disciplinas. Por isso, é pouco provável que o aluno tenha total liberdade de escolha. Afinal, é natural que as escolas se concentrem em uma ou duas áreas, sobretudo as escolas públicas estaduais.

3) Sendo o Ensino Médio a última etapa da Educação Básica, a obrigatoriedade de Português, Matemática e Inglês dá conta de dar ao cidadão o mínimo indispensável para exercer plenamente a cidadania?

4) Ou, ainda, quais estudos mostram que o Ensino Médio deve deixar de ser parte da Educação Básica para não ofertar os principais conhecimentos básicos?

5) Sabendo que a formação do professor já é deficitária, formar docentes por área (e não por disciplinas) faz sentido? Ensinar Física, Biologia e Química requer metodologias que possam ser simplificadas em Ciências da Natureza? Um só curso oferecerá ferramentas para lecionar Filosofia, História, Geografia e Sociologia?

6) Reformar o Ensino Médio é necessário. Mas, essa reforma supre, inclusive, as lacunas deixadas pelo Ensino Fundamental? O IDEB aponta alguns avanços no Ensino Fundamental, mas destaca a estagnação no último ano dessa etapa. Sendo o Ensino Médio o período de aprofundamento da formação básica, não seria importante agir para que o aluno saia do Fundamental com o conhecimento necessário? Chegar com defasagem no Ensino Médio não impacta no desempenho nesta etapa?

7) Notório Saber. Talvez tal critério possa ser aplicado em algumas poucas áreas técnicas, como já ocorre. Mas, da forma que está na MP, contradiz a preocupação com a qualidade da educação. Não é preciso muito estudo para saber que dominar uma técnica, saber executar, é diferente de ter conhecimento em metodologia de ensino e didática.

8) A escola de tempo integral deverá corresponder a 25% das matrículas no Ensino Médio em 10 anos. Escola de tempo integral não garante automaticamente formação integral, pois demanda um excelente planejamento. No texto supracitado, a psicóloga Rosely Sayão adverte: “E o que dizer, então, do período integral na escola? Todos os que se dedicam aos estudos sobre adolescentes sabem que há aspectos importantes em sua formação que têm sido negligenciados pela escola. Um deles é o processo de socialização, e outro é o de desenvolvimento emocional. A escola não quer saber disso, ou não está preparada para trabalhar essas questões, mas o fato é que os jovens, na escola, ficam à mercê de seus impulsos, caprichos, egoísmo etc. Não é à toa que temos um grande número de brigas físicas, confrontos e assédios de todos os tipos entre os alunos na escola: eles estão abandonados. Como a escola em período integral exige um projeto elaborado que contemple essas questões, o que dificilmente ocorrerá, podemos antecipar que os problemas entre os alunos, e destes com os professores, aumentarão.”

9) Por fim, uma Reforma no Ensino Médio via Medida Provisória  é alvo de crítica do Ministério Público. É redundante, porém, importante dizer que, para se justificar uma MP, seria necessária a urgência e a relevância para configurar a excepcionalidade. No caso, não se discorda da relevância do tema, discute-se a urgência de se realizar uma reforma que não encontra amparo em especialistas da área. Não estamos diante de uma decisão unívoca. É preciso reformar, mas essa reforma atende às necessidades reais? É embasada cientificamente? Ou seja, a excepcionalidade está presente?

Portanto, a mobilização nacional cobra do Congresso rigor para impedir que o Executivo capture uma função do Legislativo e atropele os processos democráticos que deveriam fazer parte das principais decisões sobre Educação. Essa Medida Provisória deve ser vetada para que a reforma ocorra de forma democrática, por meio de Audiências Públicas e Conferências, embasada em concepções pedagógicas e na experiência de profissionais da educação e estudantes”, finaliza o documento.