A arte de saber ensinar e ser especialista em amor
“Os educadores, antes de serem especialistas em ferramentas do saber, deveriam ser especialistas em amor: intérpretes de sonhos”.
A frase acima é de autoria do escritor Rubem Alves, que também foi psicanalista, educador, teólogo e pastor presbiteriano.
Confesso que fiquei impactada quando li tal mensagem na internet esta semana e que me despertou a vontade de escrever sobre o assunto.
Lembrei-me de quando tinha 13 anos de idade e cursava a 7ª série do Primeiro Grau – era essa denominação na época –, numa escola estadual de minha cidade natal, onde vivo até hoje, quando uma professora teve uma atitude extremamente fora do comum, para não dizer execrável, como contarei mais abaixo.
Na ocasião, tinham duas salas de 7ª séries e a referida professora estava dando aula para a outra turma, quando, na volta do recreio, fui entregar um trabalho escolar que fora solicitado para ser feito em casa, e eu infelizmente não tinha terminado a tempo de entregá-lo no dia solicitado. Fiz um dia depois, levando-o após o intervalo na sala ao lado.
Fiz o trabalho escrito à mão, em folha de papel almaço, como a maioria. Algumas partes mais importantes do texto pesquisado escrevi com caneta esferográfica vermelha, para dar destaque; e as demais, escrevi em azul. E assim entreguei a pesquisa solicitada.
No mesmo dia, quando eu estava indo embora para casa com uma amiga que estudava na sala de aula onde a professora estava, ela contou-me que a educadora pegou meu trabalho, mostrou para os alunos de forma zombeteira, amassou, jogou no chão e ainda pisoteou. Para completar, teria dito de maneira irônica: “Olha o que faço com um tipo de trabalho malfeito desse”. Em seguida, após risos da classe, o colocou na mesa, dando continuidade à aula.
Chocada com o que minha amiga contara, fiquei pensando que ela tivesse confundido e que não deveria ser meu trabalho.
Passados alguns dias, a docente me devolveu o material e realmente percebi que ela fizera tudo aquilo, pois as folhas estavam com sinais de amassados e a última página tinha uma marca de terra de um sapato. Aquilo me deixou muito entristecida. Me achei péssima e deduzi que o trabalho que entreguei não estivera à altura do que a educadora pedira.
Chateada com o ocorrido, não tive coragem de contar para minha mãe sobre a situação, pois imaginei que ela ficaria brava pelo fato de eu ter entregado o trabalho um dia depois do solicitado, e que a professora pudesse ter razão.
A ação da docente me marcou de forma muita negativa, pois, mesmo eu não cumprindo com a data, entendi que tal atitude não fora tomada pelo atraso, e sim porque o material não estava esteticamente apresentável, como muitos outros que vi quando a mesma os devolveu aos alunos, bem coloridos e com colagens diversas.
A lição que tirei naquela ocasião foi: para alguns, o que importa é a embalagem e não o conteúdo. E que triste ter vivenciado aquela situação, que me expôs ao ridículo perante outros alunos. Todavia, tal desprezo não me fez esmorecer. Concluí que, além de ser mais responsável com os afazeres escolares, deveria me empenhar em sempre dar o meu melhor em tudo que me propusesse a fazer – na vida escolar e fora dela.
Passados 30 anos do ocorrido, hoje me deu um nó na garganta ao lembrar da situação, além de me pegar com os olhos cheios de lágrimas, por me recordar do quão forte e resiliente fui naquela situação.
Finalizando, deixo aqui uma reflexão: quantos alunos podem ter sido tolhidos de terem um futuro brilhante na vida acadêmica e até profissional, por terem cruzado o caminho com educadores inteligentíssimos, mas que não tinham especialização em amor; que esbravejaram que fulano ou sicrano não era capaz de melhorar, de crescer, de ser alguém na vida, porque não entregou um trabalho esteticamente bonito?
Tomara que os educadores cheios de saberes continuem ensinando as disciplinas escolares que se dispuseram a ensinar de forma brilhante, porém, que sempre se disponham a fazer especializações em amor e empatia, para assim, quem sabe, interpretarem sonhos e estimularem os sonhares.
Por: Tatiane Cristina Pereira Guidoni Gimenez
Jornalista – MTB: 47.966
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