A tutela estatal da verdade

17/04/2023

Vivemos tempos estranhos. Uma nova Era se inicia. O Estado brasileiro anda obcecado pela “verdade”, a ponto de impor sua tutela sobre o que é verdade e o que não é. O STF, anos atrás, instaurou unilateralmente a investigação brilhantemente apelidada pelo Min. Marco Aurélio de “o inquérito do fim do mundo”, objetivando investigar a propagação de “fake news”. O TSE, na última eleição (2022), atuou ativamente filtrando e, eventualmente, censurando, as notícias “falsas”. O Governo Federal (Lula) criou uma procuradoria para combater a “desinformação”. Está tramitando no Senado o PL 2.630 de 2020 cujo objetivo é combater a disseminação de notícias falsas.

O principal argumento jurídico para validar esta obsessão estatal é que a liberdade de expressão, assim como nenhum direito, seria absoluto (artigos 5º, IV, IX e XVI, e 220, todos da CF), e, para serem exercidas, precisão sê-lo com razoabilidade e comedimento, sob pena de desembocarem em abuso de direito (artigo 187, do nosso Código Cívil).

O Supremo, há anos, se uniu para validar a tutela estatal sobre a verdade. Na campanha eleitoral (2022), o ministro Fachin filosofou que “estamos metidos em uma imensa desordem informacional”, o que, segundo ele, justificaria a ação reguladora do Estado. O Supremo, pasmem, quebrou a imunidade de um deputado federal, porque ele teria veiculado “fatos sabidamente falsos”, nas redes sociais, com direito a uma frase síntese: “Liberdade de expressão não é liberdade de propagação de discursos mentirosos”.

Virou moda a utilização de expressões como a “disseminação de notícias falsas”, “ameaças à democracia”, “discursos de ódio”. O ministro Alexandre de Moraes disse em um seminário que “é uma narrativa ridícula” dizer que se está tentando limitar a liberdade de expressão. Com o devido respeito ao ministro, censurar previamente alguém por dizer que prefere viver uma ditadura ou criticar as urnas eletrônicas é, sem dúvidas, constranger a liberdade de expressão.

É evidente que deve haver limites à liberdade de expressão. Por exemplo, em situações em que os americanos tipificam como “fighting words”, ou seja, convocações diretas à violência. O problema reside na politização do debate jurídico, com o viés claro de censurar as críticas à atuação da própria Suprema Corte. A impressão que fica é que os juízes do STF são tão vaidosos que querem calar as merecidas críticas que a sociedade vem lhes impondo, descrente que estamos na efetividade da justiça face à leniência com a corrupção.

Curioso observar o tema estava muito bem resolvido anos atrás, visto que a liberdade de expressão foi consagrada no STF, dentre outros julgados, na ADPF 130, do relator Min. Carlos Britto. Segundo o Supremo, o tratamento conferido pelo Capítulo V do Título VIII da Constituição Federal (1988) põe a salvo qualquer restrição à liberdade de pensamento, criação, expressão e informação. O STF considerou que os direitos referentes à liberdade de expressão são, na realidade, sobredireitos.

Veja-se o disposto no referido Capítulo V do Título VIII da Constituição, para melhor compreender a questão abordada:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Por fim, não podemos esquecer de mencionar que o remédio legal para coibir qualquer ofensa causada por disseminação de inverdades encontra-se na dicção e inteligência do artigo 187 do Código Civil, que pune aquele que, no exercício de um direito, "exceda manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa fé ou pelos bons costumes". Neste caso, o agressor comete ato ilícito (abuso de direito) e a responsabilidade civil e penal emergem incontestes.

 

Marcelo Fortes Giovannetti, graduado e pós-graduado em Direito pela PUC/SP, com especialização em Direito Empresarial do Trabalho, Direito Concorrencial e Regulatório FGV. contato: marcelo.fortes@mfglaw.com.br.