Anatomia de um golpe

30/01/2023

A História nos dá lições que muitas vezes deixamos de aprender, mas é preciso investigar o passado, pois, muitas vezes, ele nos ensina como será o futuro, uma vez que os acontecimentos históricos ocorrem pelo menos duas vezes. A primeira é uma tragédia, a segunda é uma farsa. Desta arte, vamos olhar a História do Brasil para ver o que ela nos ensina sobre os tempos atuais. Ironicamente, podemos dizer que o Brasil poderia dar aula nessa matéria, pois somos experts em darmos golpes, sempre lembrando que existem dois grandes sistemas golpistas: o branco, quando não envolve a força militar, e o golpe propriamente dito, no qual faz-se necessária o uso da força militar, a chamada quartelada.

Alguns golpes são extremamente inteligentes, como o golpe da maioridade. No século XIX, dois partidos disputavam o poder, a saber: o conservador, que pelo nome podemos entender que almejava um poder forte para o executivo, e o liberal, que almejava um poder forte por meio do legislativo (como percebemos, estamos nessa luta até hoje). Estávamos no período regencial, o que vale dizer que Dom Pedro I foi vítima de um golpe que o expulsou do Brasil, ficando no país Dom Pedro II (o infante), que só poderia governar o país constitucionalmente a partir dos 18 anos. Vários regentes, como é óbvio, tentaram governar nesse período. No entanto, nenhuma regência foi bem-sucedida e o país poderia ser desmembrado em várias pequenas repúblicas. Por isso, o partido liberal resolveu dar um golpe. Seu primeiro intento, bastante comum no Brasil, era impedir a fragmentação do território nacional e também que o povo chegasse ao poder.

Assim, deu um golpe brilhante: roubou dos conservadores os seus princípios, como o executivo forte, propondo que Dom Pedro II fosse considerado maior de idade com apenas 14 anos. Nada mais conservador do que um imperador no poder. Os conservadores não poderiam criticar a sua própria proposta. Por isso, a “campanha da maioridade” levou Dom Pedro II a ser aclamado imperador e os liberais conquistaram o governo impedindo que os conservadores reclamassem do golpe, pois quem ficaria contra Dom Pedro II se esse era o sonho do partido conservador?

Tivemos, então, um golpe branco. Um pouco mais tarde, a luta entre os partidos continua obviamente por cargos e não pela Pátria, até perceberem que havia mais união do que discórdia entre os dois partidos. Dessa forma, criaram o Ministério da Conciliação: uma aliança entre conservadores e liberais moderados, deixando de fora os radicais de ambos os partidos. Assim, nasceu o famoso centrão e os dois partidos revezavam-se no poder sem lutas violentas, apenas com disputas políticas, a cada um ano e oito meses. Com isso, estava garantido que os dois partidos teriam chance de governar o país.

Para melhorar o esquema, importaram o parlamentarismo, que, no Brasil, como sabemos, será às avessas, uma vez que o poder executivo continuaria forte e, assim, o golpe do parlamentarismo foi um sucesso. Os partidos se revezavam no poder ordeiramente, as revoltas foram reprimidas, o país não se desmembrou e o povo assistia ao desfile dos partidos no poder sem participar da farra política. Com a política em ordem, o que é muito necessário, a economia do café pôde prosperar. Com a revolução industrial na Inglaterra, mudanças políticas e econômicas foram necessárias. Tivemos, assim, a quartelada que derrubou a família real e trouxe a república positivista.

Militares e cafeicultores se uniram para derrubar o imperador. No entanto cada um dos grupos tinha interesses diferentes. Os militares queriam ditadura e industrialização, os cafeicultores queriam um legislativo forte e a defesa da agricultura. Proclamada a república, fazia-se necessária a disputa entre os velhos amigos, cafeicultores e militares, agora inimigos na luta pelo poder. Esse período ficou conhecido como a República da Espada ou Crise da República. Foi nesse ínterim que ocorreu a Revolta de Canudos, que deixou claro o despreparo do exército brasileiro, permitindo que os cafeicultores expulsassem os militares da vida política, deixando-a para os civis, até que os militares se sentiram prontos para tomar o poder.

O contexto que permitirá que os militares tomem o poder é uma conjuntura externa, pois o Brasil é um país dependente da tecnologia e da economia externa. Desse jeito, para haver uma mudança interna, é necessária uma mudança tecnológica externa. Os EUA venceram a primeira guerra, tornando-se um império, e o Brasil precisava acompanhar esse novo player. Ao mesmo tempo, a revolução comunista da Rússia traria o povo para a política. Esse novo problema exigia uma nova forma de fazer política. Assim, os militares capitaneados pelo senhor Getúlio Vargas derrubaram os casacas, chamando-os de corruptos e, usando Getúlio Vargas, puderam evitar o comunismo e realizar a revolução industrial do Brasil (ainda que lentamente).

Getúlio desejava governar o país por longo tempo (como é costume entre os nossos políticos). Por isso, mais uma vez, usou o contexto internacional para realizar uma quartelada. Quem o ajudou, sem querer fazê-lo, foi o capitão Luís Carlos Prestes e sua tentativa tresloucada de uma revolução comunista. Foi possível baixar o Estado Novo, uma ditadura que visava combater o comunismo, afastar o fascismo (mas não muito), industrializar o país e cooptar os trabalhadores para o lado do capitalismo avançado. Continua em 15 dias…

 

Prof. Egydio Neves Neto

Prof. Renata Neres