ARTIGO - Notas de ironia no Natal

28/12/2015

Bruno Ribeiro Abreu

Certa vez atendi uma paciente que, ao final da consulta, me disse:

Sabe doutor, perdi meu filho há alguns anos, vítima de um terrível acidente. A saudade sempre se intensifica próximo ao Natal, sendo muito maior nesta época do que na própria data de sua morte, que aconteceu em um mês de fevereiro.

Ela ficou em silêncio por breve momento tentando conter as lágrimas e me questionou:

    - Por que será que isso acontece?

Sempre me recordo dessa passagem quando as festas de final de ano se aproximam, já que fica evidente que o Natal carrega consigo notas de ironia muito peculiares. A data representa uma época marcada pela alegria, pelo reencontro, pela troca de afetos e pelo renascimento da esperança. No entanto, como ocorreu com aquela senhora, a nostalgia e a tristeza costumam invadir o imaginário de tantas pessoas na proximidade desta data mais do que em qualquer outro período do ano. Esses estados modificam a fisiologia e dão vazão a sentimentos de solidão, de culpa e de desamparo, que tendem a se intensificar ainda mais na medida em que chega o dia da celebração.

Talvez, a resposta mais pertinente à pergunta daquela mulher esteja no contexto de constante reflexão que esse período induz. Nele, as famílias se encontram e, muitas vezes, episódios de afetos reprimidos, de discórdias veladas ou mesmo perdas (como no caso de minha paciente) vêm à tona e são servidos como indigesto cardápio mental na ceia mais aguardada do ano.

A depressão é uma doença intimamente relacionada com os hábitos de pensamentos, por isso a influência do ambiente possui força extraordinária para acessá-los. Fato que explica outra realidade interessante: as mulheres são mais susceptíveis a esse estado já que tendem a contemplá-lo mais, meditando sobre suas possíveis causas e tentando buscar sua origem. Já os homens são mais propensos à ação e, com isso, se libertam mais facilmente de mágoas passadas. Essa atitude do tipo “deixa para lá” pode prevenir várias doenças que se instalam na mente.

De uma maneira correlata, o perdão deveria fazer-se presente nessa época. Vários estudos são contundentes em dizer que a atitude de perdoar é libertadora, gera maior satisfação e bem-estar com a vida, menores índices de depressão, maior afeto positivo e vários outros traços mentais saudáveis. Com toda prioridade, ele também teria poder reparador de toda a nostalgia que insiste em se manifestar nessa época.

Outro aspecto que pode minimizar o efeito invasivo da depressão é o de praticar ações que vão de encontro ao amor pelo próximo. Mais do que um exemplo deixado por Jesus, os benefícios do ato de solidariedade são inúmeros e podem, até mesmo, aumentar a longevidade. Um estudo norte-americano, por exemplo, demonstrou que pessoas que realizavam serviço voluntário em duas ou mais organizações tiveram a taxa de mortalidade 63% menor do que aqueles que não o realizavam.  Cifras que de, tão altas, deveriam ser mais divulgadas dentro da medicina ou mesmo fora dela pelo benefício que esse simples ato proporciona.

Portanto, o Natal é um convite à reflexão e também à ação. As consequências que cada um colhe dependem da atitude mental que direciona a reação às constantes lembranças que esse evento faz emergir. Assim, que possamos ter a devida sabedoria para saborear todas as alegrias que as festas de final de ano nos possibilitam!    

BRUNO RIBEIRO ABREU é médico, professor e coordenador dos cursos médicos do Instituto de Pós-Graduação e Graduação (IPOG)