Autoria e Autoridade

28/11/2022

Não pretendemos ser, e nunca quisermos saber mais do que ninguém. Apenas entregamos nossas rasas elucubrações ao patíbulo da crítica que aceitamos de bom grado, pois se alguma coisa conseguimos aprender com a vivência foi saber que temos muito a aprender com os outros. Sempre nos guia o mestre Sócrates: "sei que não sei". Por isso, vemos melhor que os outros na sabedoria da nossa ignorância, ou melhor, quando disseram ao mestre "você é um monstro", e o grande mestre respondeu: "você me conhece bem". O filósofo, antes do Freud e do espiritismo inventado por Platão (seu discípulo), e muito provavelmente seu criador, posto que acreditamos, como muitos críticos, que Sócrates não existiu, é uma bela criação de Platão, que temia as perseguições políticas. Daí a criação de um alter ego para não ter problemas, posto que a filosofia, sempre mal vista, o leva à cadeia ou à perda de amigos.

Aristóteles (discípulo de Platão) dizia: "sou amigo de Aristocles, o verdadeiro nome de Platão, mas sou mais amigo da verdade". A amizade e a verdade só criam inimizade. Quem quer saber a verdade? Descartes, pai da filosofia moderna, escreveu livros, mudou a filosofia, como foi dito acima, mas não discutia suas ideias por não gostar, evidentemente, de seus críticos, e para não perder tempo com os ignorantes. Nunca metia-se em discussões orais, o resultado é que seus críticos, os idiotas, sumiram na poeira do tempo, e a obra de Descartes continua viva e influenciando os poucos inteligentes que restaram nesse mundo contemporâneo. Tudo isso para deixar claras duas coisas: - Primeiro, que não nos importamos como Descartes com as críticas orais. - Segundo, só respondemos às críticas elaboradas por meio de críticas escritas.

Isto posto, vamos à polêmica chamada Consciência Negra, que tem sua comemoração no dia 20 de Novembro, sabe-se lá por que, uma vez que cientificamente não há provas de uma pessoa chamada Zumbi dos Palmares. O quilombo de Palmares existiu por mais de 100 anos, até ser destruído por Domingos Jorge Velho, e os cientistas dizem que eram mais de 100 acampamentos na Serra da Barriga, e a palavra “zumbi” significa governador e não é um nome próprio (já ouvimos relatos de antropólogos dizendo que “zumbi” era uma mulher?). Por esta razão, preferimos comemorar o 13 de Maio como o fazia o negro Lima Barreto, que morreu pobre porque as pessoas não entendiam as suas obras. Isto também ocorreu com outro negro, também injustiçado, chamado Cruz de Souza, cuja poesia simbolista, desacreditada no Brasil, era reconhecida na França. Mas a maior injustiça será contra o negro Luis Gama rábula (por ser negro, lhe foi negado o diploma de advogado, injustiça recentemente reparada pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que deu a ele, postumamente, o título de advogado). Naquela época, século XVIII, um rábula podia exercer o Direito desde que tivesse conhecimentos advocatícios mesmo sem ter sido diplomado. E, repetindo, não lhe deram o título pelo simples fato dele “ter um problema de cor”. Eufemismo, usado na época, para designar um negro. Como rábula, conseguiu libertar do cativeiro vários negros, usando uma lei de 1831. Mas a História, infelizmente, embranquecida do nosso país, prefere falar de Castro Alves, com o seu “Navio Negreiro”, de pouco valor literário (quem afirma isso é Antonio Candido, para quem não sabe, o maior crítico da literatura nacional).

Portanto, Luís Gama é duplamente injustiçado: por ser negro, não lhe deram o diploma. E suas poesias realmente críticas em relação à escravização do africano no Brasil propositadamente foram jogadas no ostracismo. Pouco são os livros que fazem a ele referência e, talvez, ainda que seja uma ignorância nossa, não conhecemos ruas ou cidades chamadas Luís Gama. Voltando a Lima Barreto, o crítico da sociedade branca ou embranquecida, que, no livro "Triste Fim de Policarpo Quaresma", mostra-nos o Major Quaresma sendo fuzilado por ter cometido “um grave crime”, um amor incondicional ao Brasil. Lima Barreto festeja o 13 de Maio, posto que foi uma grande conquista de grande parte da população brasileira. E ele mesmo percebeu que um Brasil sem racismo continuaria a existir. Não era inocente, nem dado a ilusões, por isso morreu aos 45 anos num hospício. O que queremos dizer é que o nosso povo tem o direito conquistado por meio de lutas a, pelo menos, duas datas de reflexões sobre a situação de negros e pardos (diferença inventada pelo IBGE), o 13 de Maio e o 20 de Novembro, sem que uma obscureça a outra, levando a divisões entre o povo negro deste país.

Como somos (Egydio e Renata) assumidamente negros, temos autoridade para pôr o dedo na ferida, aliás, uma ferida aberta eternamente, a escravidão, e autoria para escrever sobre o assunto, o qual há décadas refletimos sem preconceitos e na esperança de contribuir para uma discussão crítica e franca sobre o nosso povo. Viva o povo brasileiro! E sua grande miscigenação, aceitando as críticas que virão.

 

Prof. Egydio Neves Neto

Prof. Renata Neres