Caso BBB: houve crime de importunação sexual?

Esta semana bombou nas redes sociais a decisão da TV Globo em expulsar dois integrantes do BBB (Big Brother Brasil) por supostamente terem cometido crime de importunação sexual contra uma integrante mexicana que visitava por alguns dias o programa.
A forma com enxerguei os fatos, visualizando os vídeos: a festa foi regada de muita tequila e música. Um dos integrantes acariciou repetidamente as nádegas da mexicana, a qual rechaçava. Um segundo integrante cercava a mexicana com o objetivo de roubar um beijo. Lutador de MMA, algumas vezes utilizou-se de força moderada para “abraçá-la”. A integrante demonstrava simpatia e educação, especialmente com o lutador. Ao ser indagada no dia posterior, opinou não ter se sentido constrangida, isentando os dois integrantes.
Do ponto de vista normativo, a importunação sexual encontra-se tipificada no artigo 215-A do Código Penal, a qual transcrevo: Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. Pena: reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.
Interessante notar que a importunação sexual foi elevada de contravenção penal a crime somente em 2018, com a Lei 13.718. A redação do artigo 215-A acima prevê pena de reclusão de até 5 (cinco) anos, sendo que a pena pode ser aumentada em até 2/3 se o ato for cometido em transporte público, coletivo ou em locais onde há grande aglomeração de pessoas.
Este “upgrade” penal é reflexo dos anseios majoritários da sociedade moderna, que não tolera mais o machismo violento ainda enraizado em nossa cultura. A legislação acompanhou a jurisprudência dos nossos tribunais, que, há alguns anos, têm mostrado rigor na punição da importunação sexual.
Observem que, para configurar o crime de importunação sexual, a lei prevê a seguinte conduta típica: a pratica de ato libidinoso na presença de outra pessoa, sem o seu consentimento. Além disso, é necessário, para sua configuração, que o ato seja cometido com dolo direto e especial, que se configura quando o agente prevê e demonstra vontade eminente de um resultado, praticando sua conduta na busca de efetivá-lo, não bastando, para caracterizá-lo, por exemplo, um simples esbarrão no metrô.
Uma das críticas que se faz é que o legislador deveria detalhar com mais precisão, sob o prisma didático e educativo, da questão do consentimento, tema que vejo ainda incompreendido em nossa sociedade. Quais reações da mulher configuram em “não consentimento”, em desconforto, em recusa ou discordância da conduta libidinosa?
Dito isso, retornando ao caso do BBB, houve movimentos gestuais evidentes do desconforto da integrante mexicana: retirar a “mão boba” repetidas vezes, se afastar das carícias, recusar beijos e abraços. Pior: da parte de um integrante, usou-se de moderada força para beijá-la.
Finalmente, uma polêmica observação essencial: o fato da integrante mexicana ter afirmado em rede nacional não ter se sentido assediada não absolve os acusados. A razão é simples: o legislador conferiu elevada relevância a este tipo de crime, de tal sorte que se trata de uma Ação Penal Pública Incondicionada, ou seja, o autor da ação é toda a sociedade, pois a vítima não é a mulher!
No entender do legislador, uma sociedade excessivamente machista é uma sociedade doente. Basta lembrar que se mata 1 mulher a cada 6 horas no Brasil, ou 1.400 mulheres somente em 2022 (feminicídio).
Marcelo Fortes Giovannetti é graduado e pós-graduado em Direito pela PUC/SP, com especializações em Direito Empresarial do Trabalho, Direito Concorrencial e Regulatório FGV. Contato: marcelo.fortes@mfglaw.com.br.