Coluna - Agora na Lei com Dr. Marcelo Fortes: Processo de eterna coitadificação do trabalhador

Após reiteradas colunas escrachando o STF, faz importante trazer um contraponto e destacar que, quando não faz política e não paquera exageradamente o abuso de autoridade e a censura, o STF faz um bom trabalho, muitas vezes imperceptível ao público leigo.
Nesta semana, o Ministro Alexandre de Moraes, do STF, proferiu importante decisão em matéria trabalhista, ao cassar uma decisão que reconhecia o vínculo de emprego – e portanto, a aplicação da CLT - entre um motorista e um aplicativo de transporte.
Na decisão, o ministro destacou precedentes do STF que reconhecem a licitude de outras formas de relação de trabalho que não a regida pela CLT. "Verifica-se, assim, a posição reiterada da Corte no sentido da permissão constitucional de formas alternativas da relação de emprego". A decisão menciona, por exemplo, como outras formas de contratação, a terceirização (ADPF 324), os contratos de natureza civil, como os firmados por motoristas de cargas autônomos (ADC 48), ou até mesmo contratos de parceria entre salões de beleza e profissionais do setor (ADIN 5.625).
Para o ministro Alexandre de Moraes, a relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a plataforma mais se assemelha com a situação do transportador autônomo, que tem relação de natureza comercial. Destaco, para mim, o trecho mais interessante da decisão: “É legítima a terceirização das atividades-fim de uma empresa. Como já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição não impõe uma única forma de estruturar a produção. Ao contrário, o princípio constitucional da livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais dentro do marco vigente (CF/1988, art. 170). A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego (CF/1988, art. 7º)”.
Mas o que eu mais gosto é do trecho de outra decisão correlata, proferida pelo Min. Roberto Barroso no julgamento da Reclamação 56.285/SP (j. 06/12/2022):
“Considero, portanto, que o contrato de emprego não é a única forma de se estabelecerem relações de trabalho. Um mesmo mercado pode comportar alguns profissionais que sejam contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho e outros profissionais cuja atuação tenha um caráter de eventualidade ou maior autonomia. Desse modo, são lícitos, ainda que para a execução da atividade-fim da empresa, os contratos de terceirização de mão de obra, pareceria, sociedade e de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização), desde que o contrato seja real, isto é, de que não haja relação de emprego com a empresa tomadora do serviço, com subordinação, horário para cumprir e outras obrigações típicas do contrato trabalhista, hipótese em que se estaria fraudando a contratação.”
A decisão desta semana do STF reforça um movimento que ocorre há mais de 10 anos no cenário judiciário nacional, no qual a Suprema Corte vem reiteradamente corrigindo os exageros (super)protecionistas do TST. Claramente, o STF vem adotando uma postura mais moderna na interpretação do direito do trabalho em conjunto ao princípio da livre iniciativa, enquanto o TST se mantém no viés de superproteção ao trabalhador, quase se assemelhando a um tutela ou curatela estatal.
Basta observar que inúmeras pesquisas conduzidas nos últimos anos deram conta que sequer os motoristas de aplicativos querem a adoção da CLT para seus contratos. Portanto, a decisão do TST chega ao absurdo de interferir na vontade de uma coletividade de trabalhadores, obrigando a eles uma rede de proteção que não elegeram. Tudo sob a absurda presunção que o Estado sabe o que é melhor para o trabalhador. É o que um dia o Min. Gilmar Mendes chamou de “processo de coitadificação eterna do trabalhador”.
Sintomas de um país doente, disfuncional e com uma veia socialista da mais baixa qualidade.
Marcelo Fortes Giovannetti, graduado e pós-graduado em Direito pela PUC/SP, com especialização em Direito Empresarial do Trabalho, Direito Concorrencial e Regulatório FGV. Contato: marcelo.fortes@mfglaw.com.br.