Coluna - Agora na Lei com Dr. Marcelo Fortes: Sexo é requisito essencial para a configuração da união estável?

12/06/2023

O objetivo do texto desta semana é provocar os nossos leitores a uma reflexão sobre algo que poderia soar, à primeira vista, como uma fofoca de celebridades, mas que, na verdade, revela um profícuo e rico debate jurídico sob o prisma de princípios e costumes de nossa sociedade.

Semanas atrás, as mídias sociais revelaram os bastidores da audiência ocorrida na rumorosa disputa pela herança de Gugu Liberato, morto em 2019 aos 60 anos. Houve um pesado bate-boca entre os advogados Dilermando Cigagna Júnior e Nelson Willians, que representam as partes envolvidas no caso.

O bate-boca ocorre porque o Dr. Dilermando Cigagna Júnior, advogado de João Augusto Liberato, 21 (primogênito do apresentador) e de Aparecida Liberato (irmã e inventariante de Gugu), fez uma pergunta constrangedora em audiência na qual foram colhidos os depoimentos pessoais das partes, e cuja pertinência jurídica da pergunta foi amplamente questionada.

Em certo momento da audiência, o advogado do filho indagou à companheira do Gugu Liberato se entre eles havia sexo. Importante informar que, em uma audiência, o advogado não profere uma pergunta diretamente, pois ela é submetida e direcionada ao juiz primeiramente. O juiz faz este filtro e repassa ou indefere a pergunta.

O juiz entendeu pertinente a indagação e transmitiu-a à companheira Rose, que respondeu positivamente. Foi então que o advogado insistiu e indagou: com qual frequência? Neste momento, a confusão se instalou. Os advogados entraram em conflito verbal e o juiz teve que acalmar os ânimos.

O advogado da Sra. Rose, inconformado, chegou a fazer uma provocação e devolveu a pergunta ao advogado opositor (se ele também fazia sexo com a esposa). Detalhe: a esposa do advogado é também advogada e estava dentro da sala de audiência. Baita constrangimento. O assunto se encerrou com um gesto elegante da companheira do Gugu, que insistiu em responder à pergunta com a seguinte frase: “Fazíamos quando sentíamos vontade”.

Enfim. Barracos à parte, vamos ao relevante: não há dúvidas que a pergunta do advogado foi deselegante e constrangedora. Gerou muita revolta nas mídias sociais. Mas a questão de centro é: a pergunta foi pertinente?

Antes de respondê-la, precisamos raciocinar sobre o contexto que o fizeram trazer esta polemica indagação: o boato de que o relacionamento do Gugu com a depoente Rose era “de fachada” porque o Gugu era homossexual. Presumo então que o advogado pretendia colocar na cabeça do juiz uma grande indagação jurídica: um dos requisitos essenciais da união estável é o sexo? Pode-se considerar casamento só carinho, respeito mútuo e amor? Um casal em idade sexualmente ativa que não faz sexo entre si durante mais de uma década pode ser considerado casado, nos termos da lei?

Resposta: só de nos fazer pensar as questões acima, eu não tenho dúvida da pertinência da pergunta. Afinal, uma audiência não é constituída somente de perguntas fáceis e respostas óbvias. Quanto à resposta à minha indagação sobre o sexo como requisito essencial do casamento, é a sociedade quem deve arbitrar, já que o direito é constituído de costumes e tradição. Lembremos o mantra do art. 4° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Se formos por um viés conservador e religioso, não há dúvidas que o sexo é mandamental para a vida, a perpetuação da espécie humana e, portanto, da vontade divina. Se formos para um viés progressista, em que se admitem formas assexuadas, a resposta é não.

Marcelo Fortes Giovannetti, graduado e pós-graduado em Direito pela PUC/SP, com especialização em Direito Empresarial do Trabalho, Direito Concorrencial e Regulatório FGV. Contato: marcelo.fortes@mfglaw.com.br.