Como regular a Suprema Corte?

26/04/2023

Um escândalo sacudiu a Suprema Corte americana. O juiz Clarence Thomas, conservador e mais antigo juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, foi acusado de ter aceitado, durante duas décadas, convite de férias do magnata do mercado imobiliário Harlan Crow. As viagens ocorreram praticamente todos os anos. Uma única ida à Indonésia (2019) teria custado até US$ 500 mil, de acordo com a acusação.

No Brasil, não é diferente. O corporativismo impera desavergonhadamente. Alguns Ministros do STF participam de eventos corporativos patrocinados por autores/réus nos processos sub judice, outros são remunerados em palestras privadas ou, pior, são sócios de faculdades de Direito. Viagens gratuitas para eventos em Lisboa ou NY todo mês. É muito comum ver Ministro confraternizando com políticos investigados ou até em churrasco, sem nenhuma preocupação com a liturgia do cargo.

Lamentável cenário, combinado com a sensação de conluio e absoluta impunidade que impera em nosso seio social – basta dizer que o STF praticamente enterrou a Lava-Jato e liberou todos os políticos corruptos (até, pasmem, o ex-Governador Sérgio Cabral) –, gera em todos nós cidadãos a pergunta objeto deste texto: Como regular a Suprema Corte?

As democracias modernas funcionam no sistema de freios e contrapesos (checks and balances), cujo objetivo é assegurar a harmonia e a interdependência entre os poderes (artigo 2º da CF/88), de tal sorte a garantir que nenhum poder se sobreponha ao outro. Este sistema começou com Montesquieu e foi desenvolvido por Bolingbroke, na Inglaterra, durante o século XVIII. A beleza deste instituto reside no fato que, em que pesem independentes, os Poderes da República possuem entre si “atribuições atípicas”, de modo que um poder possa regular e fiscalizar o outro. É uma sintonia fina e muito inteligente.

É o sistema de freios e contrapesos que concede ao Senado (Poder Legislativo) capacidade de julgar crime de responsabilidade do Presidente da República ou de Ministro do STF, sendo que julgar é atribuição nata do Poder Judiciário. É o sistema de freios e contrapesos que autoriza o Poder Executivo, em situações pontuais, a legislar medidas provisórias, quando legislar é função precípua do Poder Legislativo. Entretanto, vivemos no Brasil um momento sem precedentes, no qual a sociedade civil tem a nítida impressão que o sistema de freios e contrapesos não funciona, que há um desequilíbrio em favor do Poder Judiciário. A sensação é que ninguém regula ou controla o STF. As razões para chegarmos neste estado de coisas são complexas e ficarão para um outro texto. Só antecipo que a Constituição Federal de 1988 pesou a mão em proteger o Poder Judiciário. Justos motivos existiam: passamos 24 anos em ditadura militar (1964-1988) no qual o Congresso e o STF foram fechados e as garantias individuais tolhidas. Nada mais obvio senão proteger o sistema de justiça das intempéries autoritárias de ocasião. O problema é que hoje, passados 35 anos da constituição cidadã, parece não fazer mais sentido tamanha prevalência de um poder sobre o outro.

O legislador constituinte esqueceu de criar mecanismos mais eficazes de controle sobre os excessos do Poder Judiciário e hoje vivemos esta sensação de que ego, poder e autonomia exacerbados fizeram mal à instituição mais sagrada, hoje execrada, de nossa amada democracia.

 

Marcelo Fortes Giovannetti, graduado e pós-graduado em Direito pela PUC/SP, com especialização em Direito Empresarial do Trabalho, Direito Concorrencial e Regulatório FGV. Contato: marcelo.fortes@mfglaw.com.br.