Páscoa: curiosidades, sentidos e tradições

Professora de Teologia da PUCPR tira dúvidas e traz curiosidades sobre a data
A Páscoa é uma das celebrações mais significativas no calendário cristão, marcada pela memória da ressurreição de Jesus Cristo. Seu conteúdo teológico está no centro da fé cristã, na comemoração da vitória sobre a morte e a promessa de vida plena. No entanto, a Páscoa tem raízes que precedem a tradição cristã e carrega consigo uma série de elementos históricos e culturais que ajudam a compreender sua complexidade e transformações ao longo do tempo, especialmente a partir das culturas religiosas.
“Antes de ser incorporada à liturgia cristã, a Páscoa já era uma celebração no contexto do judaísmo. A festa de Pessach relembra a libertação do povo hebreu da escravidão no Egito, conforme relatado no livro do Êxodo”, explica a professora Ana Beatriz Dias Pinto, especialista em tradições dos povos e culturas religiosas do departamento de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), que ministra disciplinas sobre textos sagrados e culturas religiosas na instituição.
A pesquisadora aponta, ainda, que a palavra “Páscoa” vem do latim Pascha, que por sua vez deriva do hebraico Pessach, significando “passagem”. A menção à “passagem” remete ao episódio em que os hebreus foram poupados da última praga que caiu sobre o Egito, sinalizando o início do êxodo. “A Páscoa cristã, por sua vez, foi construída liturgicamente a partir da releitura desse evento, agora associada à ‘passagem’ de Jesus da morte à vida. A teologia cristã interpreta a ressurreição como cumprimento das promessas divinas e fundamento da esperança escatológica”, assinala Ana Beatriz.
No âmbito litúrgico, a celebração é precedida por um período de preparação: a Quaresma, que se inicia na Quarta-Feira de Cinzas e dura 40 dias, sem contar os domingos. A Semana Santa, que encerra a Quaresma, começa no Domingo de Ramos, recordando a entrada de Jesus em Jerusalém. Este marco, frequentemente esquecido fora do âmbito litúrgico, é parte essencial da narrativa da Paixão. A semana culmina no Tríduo Pascal — Quinta-Feira Santa, Sexta-Feira da Paixão e Vigília Pascal — e termina com a celebração da ressurreição no Domingo de Páscoa.
Curiosidades sobre a festa da Páscoa
Uma curiosidade recorrente é a variação anual da data da Páscoa. A definição segue um cálculo baseado no calendário lunar: celebra-se no primeiro domingo após a primeira lua cheia que ocorre depois do equinócio da primavera (no hemisfério norte), o que faz com que a data varie entre 22 de março e 25 de abril. Essa definição foi estabelecida no Concílio de Niceia, no ano 325 d.C., e permanece em vigor na tradição ocidental.
Além de seu significado religioso, a Páscoa é atravessada por elementos culturais que foram sendo incorporados com o passar dos séculos. Entre eles estão os ovos e o coelho, que não possuem origem cristã direta. O ovo, em muitas culturas antigas, simbolizava fertilidade e renovação da vida. Com o tempo, foi ressignificado como símbolo do túmulo vazio e da nova vida em Cristo. Já o coelho está associado a tradições germânicas, onde representava fertilidade e abundância. Esses elementos foram incorporados às práticas populares, especialmente em contextos europeus, e se difundiram globalmente.
Outra curiosidade diz respeito ao Sábado de Aleluia, que antecede o Domingo de Páscoa. Em algumas regiões, há o costume popular de “malhar o Judas”, representado por um boneco de pano que é criticado ou ridicularizado como símbolo da traição. Embora essa prática não faça parte da liturgia oficial, ela persiste como expressão cultural.
Em algumas tradições ortodoxas, a celebração da Páscoa é precedida por um jejum rigoroso e culmina com a partilha de ovos pintados à mão, que simbolizam a nova vida. Também há saudações específicas trocadas entre a população, ao invés de “Bom dia ou boa tarde”, como a frase “Cristo ressuscitou!” e a resposta “Em verdade ressuscitou!”, reafirmando coletivamente a fé na ressurreição.
No campo simbólico da tradição pascal, um exemplo alimentar está no uso do cordeiro como símbolo pascal. Na tradição judaica, o cordeiro pascal foi o animal sacrificado na noite da saída do Egito, conforme ordenado no livro do Êxodo. Já na teologia cristã, Cristo é interpretado como o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, linguagem presente no Evangelho de João e na liturgia eucarística. O cordeiro, portanto, tornou-se símbolo de entrega e redenção.
A celebração da Páscoa varia conforme o país e a tradição local. Na Grécia, por exemplo, é marcada por celebrações litúrgicas intensas, culminando em uma ceia festiva no domingo. Na Polônia, há procissões noturnas com velas e orações. Na Itália, é comum o consumo de cordeiro assado; na França, doces em forma de sinos são oferecidos às crianças. No Brasil, o bacalhau é um prato frequente, resultado da influência portuguesa, junto à distribuição de ovos de chocolate.
De acordo com a teóloga, compreender essas dimensões da Páscoa — teológica, histórica e cultural — amplia o olhar sobre a celebração. “É uma data que não apenas evoca um evento do passado, mas renova reflexões sobre liberdade, esperança e renovação da vida. Ou seja, ao olhar para a cultura dos povos, podemos compreender que cada expressão de fé revela como o ser humano se relaciona com a história e a cultura religiosa, algo que avança já há mais de dois mil anos!”, finaliza a professora.