Dois anos de guerra no Sudão: milhões de pessoas vivem uma das maiores crises humanitárias do mundo

22/04/2025

Médicos Sem Fronteiras alerta para as múltiplas emergências; Desde trauma, violência sexual e desnutrição, sudaneses enfrentam a falta de acesso à saúde

 

A guerra no Sudão completa dois anos sem perspectiva de trégua. As pessoas permanecem invisibilizadas, bombardeadas, sitiadas, deslocadas e privadas de alimentos, cuidados médicos e serviços básicos vitais. Sessenta por cento dos 50 milhões de habitantes do país precisam de assistência humanitária, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). As pessoas estão enfrentando de forma simultânea crises de saúde e o acesso limitado a cuidados médicos.

Médicos Sem Fronteiras (MSF) reitera os apelos para que as partes em conflito e seus aliados garantam a proteção de civis, profissionais humanitários e equipes médicas. Pedimos ainda que as restrições ao transporte de suprimentos e da equipe humanitária sejam removidas, especialmente com a chegada da estação chuvosa.

“As partes em conflito não estão apenas falhando em proteger os civis, mas agravando ativamente seu sofrimento”, enfatiza Claire San Filippo, coordenadora de emergência de MSF. “Para onde quer que você olhe no Sudão, encontrará necessidades esmagadoras, urgentes e não atendidas. Milhões de pessoas estão recebendo quase nenhuma assistência humanitária. Instalações médicas e profissionais de saúde continuam sob ataque, e o sistema humanitário global não está conseguindo fornecer nem uma fração do que é necessário.”

Conforme as linhas de frente dos combates mudaram ao longo da guerra, especialmente em Cartum e Darfur, os civis temiam ataques de retaliação de ambas as partes em conflito. Nos últimos dois anos, tanto as Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês) quanto as Forças Armadas Sudanesas (SAF, em inglês) bombardearam de forma repetida e indiscriminada áreas densamente povoadas.

As RSF e as milícias aliadas ao grupo iniciaram uma campanha de brutalidade, incluindo violência sexual sistemática, sequestros, assassinatos em massa, saques de ajuda humanitária, aniquilamento de bairros inteiros de civis e ocupação de instalações médicas. Ambos os lados cercaram cidades, destruíram infraestruturas civis vitais e bloquearam a ajuda humanitária.

Desnutrição no Sudão atinge níveis alarmantes

A fome generalizada está se alastrando – de acordo com a ONU, o Sudão é atualmente o único lugar no mundo onde a fome foi oficialmente declarada em vários locais. A primeira vez foi em agosto de 2024, no acampamento de Zamzam, que reúne pessoas deslocadas internamente. Desde então, a fome se espalhou para mais 10 áreas. E 17 regiões adicionais estão agora à beira do abismo. Sem uma resposta imediata, centenas de milhares de vidas estão em risco.

Em março, MSF apoiou campanhas de vacinação de vários antígenos para crianças menores de 2 anos de idade em Darfur do Sul. As mais de 17 mil crianças em 11 das 14 localidades que receberam vacinas também foram examinadas para desnutrição. O resultado mostrou que 7% delas estavam com desnutrição aguda grave e 30% com desnutrição aguda.

Em dezembro de 2024, durante uma distribuição de alimentos terapêuticos na localidade de Tawila, em  Darfur do Norte, equipes de MSF examinaram mais de 9.500 crianças menores de 5 anos de idade e chegaram a uma impressionante taxa de desnutrição aguda de 35,5%, com 7% das crianças sofrendo de desnutrição aguda grave.

 

Múltiplas emergências de saúde

O Sudão enfrenta múltiplas emergências de saúde que se sobrepõem. As equipes de MSF trataram mais de 12 mil pacientes — incluindo mulheres e crianças — por lesões traumáticas diretamente resultantes de ataques violentos. Durante a primeira semana de fevereiro de 2025, equipes de MSF em três áreas do Sudão – Cartum, Darfur do Norte e Darfur do Sul – atenderam enormes fluxos pacientes feridos de guerra.

Também testemunhamos no Sudão uma das piores crises de saúde materno-infantil do mundo. Em outubro de 2024, em duas instalações apoiadas por MSF em Nyala, capital de Darfur do Sul, 26% das mulheres grávidas e lactantes que procuravam atendimento estavam com desnutrição grave.

“Surtos de sarampo, cólera e difteria estão se espalhando, impulsionados por más condições de vida e campanhas de vacinação interrompidas. O apoio e os cuidados de saúde mental para sobreviventes de violência sexual permanecem dolorosamente limitados. Essas crises agravadas refletem não apenas a brutalidade do conflito, mas as terríveis consequências do sistema público de saúde em ruínas e de uma resposta humanitária fracassada”, alerta Marta Cazorla, coordenadora de emergência de MSF.

Desde abril de 2023, mais de 1,7 milhão de pessoas procuraram consultas médicas em hospitais, instalações de saúde e clínicas móveis administradas por MSF ou apoiadas pela organização. Mais de 320 mil pessoas foram admitidas em nossas enfermarias de emergência.

De acordo com a ONU, mais de 13 milhões de pessoas foram deslocadas pelo conflito no Sudão— muitas delas várias vezes. Destas, 8,9 milhões permanecem deslocadas dentro do país, enquanto 3,9 milhões cruzaram para países vizinhos. Muitas vivem em acampamentos superlotados ou abrigos improvisados, sem acesso a comida, água, saúde ou senso de futuro. As pessoas dependem inteiramente de organizações humanitárias — mas somente nos lugares onde essas organizações trabalham.

 

Instalações de saúde destruídas

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 70% das instalações de saúde em áreas afetadas pelos conflitos operam parcialmente ou estão completamente fechadas, deixando milhões de pessoas sem acesso a cuidados críticos em meio a uma das piores crises humanitárias da história mundial recente.

Desde o início da guerra, MSF registrou mais de 80 incidentes violentos contra nossa equipe, infraestrutura, veículos e suprimentos. As clínicas foram saqueadas e destruídas, os medicamentos roubados e os profissionais de saúde agredidos, ameaçados ou mortos.

“Edifícios foram destruídos, até camas foram saqueadas e medicamentos foram queimados até que não restasse nada. De longe, parecia um hospital. Mas, quando você entrava, era somente um abrigo para cobras e grama”, relata Muhammad Yusuf Ishaq Abdullah, profissional de promoção de saúde de MSF em Tawila, Darfur do Norte, sobre o estado em que se encontrava o hospital de Tawila após ser saqueado, em junho de 2023. Esses ataques devem parar — o pessoal médico e as instalações não são alvos.

 

Estação chuvosa se aproxima

A estação chuvosa que se aproxima ameaça piorar ainda mais uma situação já catastrófica — interrompendo as rotas de abastecimento, inundando regiões inteiras e isolando as pessoas. Também preocupam o período conhecido como pico da fome, a desnutrição e a malária.

MSF pede medidas imediatas de preparação antes da estação chuvosa. Mais passagens de fronteira devem ser abertas, e as principais estradas e pontes devem ser reparadas e mantidas acessíveis, especialmente em Darfur, onde as inundações sazonais isolam as comunidades ano após ano.

As restrições humanitárias devem ser cessadas, e o acesso desimpedido deve ser garantido. MSF pede que a comunidade internacional — incluindo doadores, governos e agências da ONU — trabalhem para permitir e priorizar a entrega de ajuda, garantindo que a assistência não apenas chegue ao país, mas que seja transportada com rapidez e segurança para as comunidades mais atingidas e remotas. Sem um compromisso sério de superar as barreiras políticas, financeiras, logísticas e de segurança que impedem a entrega, inúmeras vidas permanecerão fora do alcance da ajuda.

As pessoas do Sudão têm suportado esse horror há dois anos. Elas não podem e não devem esperar mais!

 

ASSESSORIA DE IMPRENSA

Twitter: @MSF_Imprensa
imprensa@msf.org.br

Danielle Bastos