“Duas Mariola e um cigarro Yolanda”
Américo Perin
O músico de banda, antes de tudo, via de regra é um abnegado. Por certo que ele ama o que faz e seu coração bate mais forte quando sua “furiosa” se apresenta.
Quanta expectativa nos dias que antecediam os festejos de Santana. Nos 19 de julho que já vão lá longe no tempo, era uma festa e tanto a da padroeira do lugar. Santana de Parnaíba era um lugarejo encravado na encosta de um morro e lá só havia três ruas; a de cima, a de baixo e a do meio. Todos se conheciam e todos festejavam juntos. Matava-se a saudade dos que moravam nos sítios e nesses dias apareciam no vilarejo.
Seguia-se em procissão pela rua de baixo em meio a Ave-Maria e Pai-Nosso, enquanto a banda tocava um ou outro dobrado. O cortejo voltava pela rua de cima e na praça já toda enfeitada com bandeirolas festejava-se a quermesse entre as barracas, o coreto e as flores do jardim. E ouvia-se a banda “ao vivo e a cores” durante todas as noites em que duravam os festejos.
Quando alguém fazia aniversário, a família já deixava o chão de terra batida bem varrido e punha logo uns bancos para acomodar os músicos que, com certeza, visitariam o homenageado. Já pelo caminho, a banda vinha tocando e hoje a lembrança daquele som traz consigo a nostalgia, quem sabe, da saudade da primeira namorada...
Bons tempos. Era tudo igual na essência, lá como aqui e em qualquer outro lugar onde houvesse uma banda. Quantas vezes falamos sobre isso, eu e o saudoso Natale Garrefa. Nas vésperas das apresentações, eram só preparativos; limpeza e brilho nos instrumentos, muita graxa nos sapatos...
O músico de banda tem mesmo uma ligação muito forte com o que faz. Sabe-se de dois amigos que tocavam na mesma banda e, de tanto que gostavam disso, fizeram um pacto: quem morresse primeiro voltaria para comunicar ao outro se existia banda lá no céu. Passado algum tempo, um deles morreu deixando o outro na expectativa da notícia. Mas meses se passaram, anos também e nada do falecido aparecer. Até que num belo dia, estando a cismar na varanda de sua casa, aquele que esperava a vinda do defunto assustou-se: bem na sua frente, aparece o tal que se fora! E, mal recuperado do susto, ouviu do espírito do amigo: - “Zé, lá no céu tem banda sim. Toda semana tem retreta e eu vim avisar que você vai tocar domingo que vem!”.
Como bem definiu Adoniran Barbosa em uma de suas letras: “Tocar na banda pra ganhar o quê? “Duas mariola e um cigarro Yolanda”. Quem sabe lá no céu seja melhor, porque, por aqui, os incentivos para essa nobre arte...