Em crises como a do RS, é aceitável que o Estado tenha déficit público
O economista José Cláudio Securato avalia que, embora a situação fiscal do Brasil não seja das melhores, é preciso apagar a discussão sobre o déficit para recuperar a economia gaúcha
“Isso apaga a discussão sobre equilíbrio fiscal. É preciso ressaltar que o papel do Estado, num momento como este, é ter déficit público”. A frase é do economista e administrador José Cláudio Securato a respeito do que é necessário gastar em ações humanitárias para recuperar a economia do Rio Grande do Sul, devastada pelas enchentes que afetaram mais de 80% dos municípios daquela unidade da federação.
Defensor da responsabilidade fiscal, Securato lembra que esse é um dos maiores problemas atuais e que se agravará com a necessidade de aumentar os gastos para recuperar o estado do Rio Grande do Sul, que depende de ajuda governamental para se reerguer. Governança do setor público para decisões econômicas será, inclusive, um dos temas que ele abordará em sua palestra durante o Fórum MoOve On, considerado um dos maiores eventos corporativos do país, que terá sua edição 2024 no dia 5 de junho, no Expo Center Norte, em São Paulo. Este ano, o tema do encontro é “Trilogia de Excelência: Tecnologia, Decisões Humanas e Negócios Financeiros Sustentáveis”.
A tragédia que atingiu o RS interrompeu o fluxo circular de receitas e, em momentos como o atual, é necessária uma ação ativa do governo, pois não há recursos do setor privado. “Numa situação como esta, há uma perturbação na circulação do dinheiro, que acontece quando os cidadãos recebem os seus salários e vão às compras, gerando lucro para o comércio e renda para os empregados. Depois o comércio utiliza o dinheiro das vendas para repor os estoques e alimentar a indústria, e assim por diante. A economia do Rio Grande do Sul parou de andar”, explica. A questão é que tal ruptura deverá resultar na queda do nível de riqueza no Rio Grande do Sul. E drasticamente.
O economista diz que ainda é cedo para fazer cálculos precisos sobre os impactos, pois o fenômeno ainda está em curso, mas acredita que houve perdas entre um terço e metade do PIB, que, em 2023, totalizou R$ 650 bilhões. Portanto, o prejuízo deverá ficar entre R$ 200 bilhões e R$ 300 bilhões. “É um estado forte, exportador e que também vende produtos para todo o Brasil. Portanto, o impacto repercutirá no balanço de pagamentos, pois haverá redução nas exportações, nos negócios em todo o Brasil e, principalmente, no próprio Estado”.
A solução para a hecatombe é muito cara e exigirá grande esforço dos poderes Executivo e Legislativo e o bom senso de que este não é o momento de se ater às regras fiscais. E neste ponto, a tragédia traz lições para o governo e para os legisladores. Se todos os governos se preocupassem em manter o equilíbrio fiscal, os gastos para salvar o Rio Grande do Sul teriam menos impacto nas contas públicas, porém, pois ao longo dos anos, e mesmo agora, os esforços para reduzir os gastos ficaram aquém do necessário, um gasto gigantesco – humanitária e económica – serão acrescentadas às dívidas já existentes.
Na análise da Securato, a situação econômica do Brasil se deteriorou no segundo trimestre em comparação com o primeiro por uma série de razões. No final do ano passado, a expectativa era de que os cortes nas taxas de juros nos Estados Unidos começassem no primeiro semestre deste ano, principalmente em março. Essa expectativa agora é para agosto. “Mas com base nos números da inflação que vemos nos Estados Unidos, com base na taxa de inflação real, pode não haver redução dos juros lá este ano”, observa. Segundo o economista, esse quadro é importante porque a taxa de juros americana é a taxa livre de risco mundial. Sempre atrairá mais capital e serve de parâmetro para qualquer medida de investimento.
No nível local, a questão fiscal que se agravou recentemente é uma consequência clara da abordagem do governo para flexibilizar o cumprimento da meta fiscal. “E aqui também coloco o Congresso dentro desse desvio de rumo, pois não é um problema só do Poder Executivo. É um problema também para o Poder Legislativo, que atualmente consome um volume gigantesco de emendas. E não podemos esquecer que o governo Lula está marcado na sua relação com o Congresso como um governo que divulgou emendas em um ritmo nunca visto”, avalia, lembrando que, após a eleição de dezembro, antes de tomar posse, o governo Lula já começou com R$ 100 bilhões em emendas. “É uma quantia enorme de dinheiro. E esse processo não para.”
Para ele, é por isso que a liberação de recursos para o Rio Grande do Sul está sendo tratada como se fosse um recurso a mais, já que há uma série de alterações diárias para o Brasil que não têm relação com o problema. “O inspetor está fora de controle. Haddad, que foi o último defensor, perdeu credibilidade porque anunciou redução da meta fiscal, o que é extremamente negativo e, obviamente, ele se refere à meta do próximo ano”. E para piorar a situação, têm havido fenómenos e más notícias como esta tragédia climática e a atualização dos cálculos da Segurança Social, mostrando que a reforma realizada durará menos tempo do que o estimado.
(Ana Borges - anaborges@compliancecomunicacao.com.br)