Enquanto seu lobo não vem

12/12/2022

Nesses dias que antecedem a posse de Lula e o início de um novo governo, temos uma sensação de acalmia antes da tempestade. Lembremo-nos que nos trailers cinematográficos a chuva (elemento romântico) simboliza o sentimento de agonia (agon = combate) interior das personagens. Como estamos nós nesse ínterim entre bolsonaristas e lulianos… Por isso, nos damos ao luxo de fugirmos momentaneamente da política econômica para pousar os nossos olhares sobre os “contos de fada” e a necessidade humana de tocar nos segredos do além-túmulo.

Para Freud, a morte é a “grande desconhecida”, pois, embora tenhamos a intuição de que vamos morrer, verdadeiramente temos o instinto de sobrevivência que nos impede de crer na nossa morte. Epicuro nos ensina, e cremos nele, que o “eu” não morre, posto que quem morre são os outros. Seria ridículo se dentro de um caixão estivéssemos a olhar para os outros sentindo o que eles falam a nosso respeito. Logo, se isso fosse possível, a morte deixaria de ser um mistério e perderíamos o medo de morrer e os filmes de terror, o seu encanto. Ainda sobre a filosofia “usando destarte” do pensamento de Adorno, o quanta há de medonho e de verossimilhança entre coisas aparentemente diferentes, tais como:

 

- Hospício;

- Hospital;

- Escola;

- Penitenciária.

 

Para as crianças como WANDINHA, são câmaras de tortura bem como para os adolescentes, a própria adolescência e a necessidade angustiante de passar por ela e se transformar em adulto, como ocorre no rito de passagem de ENID, cuja mãe insiste na necessidade de apressar o fim da juvenilidade para entrar no horripilante mundo dos adultos (passar no vestibular, casar-se, criar uma máscara para sua aceitação social, e os medos das chamadas “pessoas sérias”, a doença, a morte dos filhos, o aluguel, contas e crises econômica).

Como já disse Riobaldo, de Guimarães Rosa: “mira e veja, o Sr. que é moço estudado, viver é muito perigoso”. Assim, o criador da família Addams e o inteligente roteiro de Tim Burton tange as ideias sobre a morte e os perigos de viver com amabilidade e sarcasmo nas frases frias e cortantes de WANDINHA. A personagem não tem medo de viver, ato contínuo, não tem medo da morte e enfrenta estoicamente o processo de tornar-se adulta, mas com a liberdade de livrar-se do paradigma de se transformar na própria mãe.

Como ocorre no filme “O diário da princesa”, em que se retrata novamente o medo e o despreparo de uma pré-adolescente para se tornar rainha. Não há nada de novo em WANDINHA (a série, que se encontra na plataforma streaming Netflix), pois os efeitos especiais são conhecidos do público e as “viradas” do roteiro sempre desejadas, mas sempre à frente das nossas percepções, levando-nos a errar na identificação de quem é o “monstro”, como acontece em nossas vidas. O discurso fílmico brilhantemente aglutina quase tudo que a humanidade criou sobre o mistério, desde os consagrados livros de Edgar Allan Poe (grande referência no filme) aos chamados por Walt Disney de contos de fada, que, na realidade nasceram no século II depois de Cristo como histórias obscenas, temerosas, sem moral e didaticamente contrárias ao senso comum da religiosidade.

Originalmente, essas histórias tinham um final infeliz. Isso começa a mudar com os Irmãos Grimm e chega ao ápice com os filmes da Disney que transformam essas historietas em “felizes para sempre”. Mas, como a felicidade é uma só e o público vai desacreditando no final feliz, o cinema volta à duplicidade e à ironia em Shrek, um ogro que critica a sociedade do final feliz como Charles Addams já fazia nos seus cartuns para o New Yorker desde 1938 com essa estranha família aristocrática, excêntrica mas estadunidense.

O interessante é que o marido de Mortícia foi se transformando num latino. Deram-lhe o nome de Gomes e intérpretes latinos, como Raul Juliána, na série feita para TV e agora na série 'Wandinha' (Jenna Ortega), de ascendência latina, o que vem ao encontro da frase de Caetano Veloso “narciso acha feio o que não é espelho”, mostrando, principalmente, que hoje em dia é preciso compreender a diversidade cultural de outros povos, que compartilham conosco a mesma vivência (todos que vivem tem medo), e apreender simplesmente que “de perto ninguém é normal”. Enquanto o lobo não vem, e desejando que não venha, nossos sinceros votos de um bom Natal e um Ano Novo sem sobressaltos.

 

Prof. Egydio Neves Neto

Prof. Renata Neres