‘Fake news’, ‘inimigos do povo’: como a hostilidade de Trump contra a imprensa pode se agravar no 2º mandato
A eleição de Donald Trump para mais um mandato tornou-se motivo de preocupação para os que temem retrocessos em direitos humanos, mudanças climáticas e também na liberdade de imprensa, já que o vencedor do pleito tem um histórico de ataques verbais contra jornalistas e veículos, insuflando seus seguidores a adotarem uma postura de hostilidade.
No discurso de vitória, Trump deu uma amostra do que deve estar por vir ao chamar a imprensa de “campo inimigo”, citando nominalmente as redes CNN e NSBC – um sinal de que as mágoas pelo tratamento recebido durante os últimos quatro anos estão bem vivas.
No domingo, o presidente eleito repetiu uma prática que se tornou comum na campanha eleitoral: comentários depreciativos a jornalistas que cobriam um comício na Pensilvânia. Mais do que depreciar, ele deu a entender que não se importaria se um atirador que tentasse atingi-lo tivesse que acertar primeiro o “grupo de fake news” que estava ao fundo.
“Eu não me importo tanto com isso”, repetindo a declaração mais de uma vez.
A equipe de campanha tentou amenizar, alegando que teria sido uma forma de proteger os jornalistas, argumento que não convenceu.
Em um comunicado após a vitória de Trump, nesta quarta-feira, a organização Repórteres Sem Fronteiras apelou para o futuro presidente “aproveitar a oportunidade para reparar o clima doméstico de liberdade de imprensa e reposicionar os Estados Unidos como um líder global em liberdade de imprensa, em vez de “dobrar a aposta” e seguir com as hostilidades.
Mas a julgar pelo discurso da vitória, essa possibilidade não tem muitas chances de se concretizar.
Ataques de Trump à imprensa levam a agressões
Embora o presidente dos EUA não tenha poderes para censurar a mídia a preocupação de organizações de liberdade de imprensa é que ao insuflar apoiadores Trump provoca um descrédito sobre o jornalismo e estimula agressões – digitais, presenciais e até com ataques físicos.
A Primeira Emenda da Constituição dos EUA garante a liberdade de expressão, mas ela não protege discursos que incentivem ou justifiquem atos violentos.
Ao longo dos anos, o ex-presidente tem repetidamente atacado a mídia, criando um ambiente hostil que, em algumas ocasiões, resultou em ameaças reais contra jornalistas, cada vez mais possíveis em um ambiente de extrema polarização.
O clima de hostilidade e violência contra a imprensa é criticado por organizações de direitos humano não apenas por colocar os profissionais em risco, mas sobretudo pelo risco de prejudicar o livre fluxo de informações, criando um efeito paralisante sobre os que têm o papel crucial de informar a sociedade.
Mais de um tuíte por dia contra a imprensa no primeiro mandato
Se o padrão do primeiro mandato de Trump se repetir, as perspectivas são sombrias.
Uma pesquisa do projeto US Press Freedom Tracker quando ele deixou o cargo contabilizou que de 15 de junho de 2015, quando Trump declarou sua candidatura à presidência, até sua última postagem antes de ter a conta suspensa pelo Twitter, em 8 de janeiro, ele tuitou 24.500 vezes, das quais 2.520 com mensagens contrárias à imprensa.
Isso significa que, em média, o ex-presidente dos EUA tuitou negativamente sobre a mídia mais de uma vez por dia em 5 anos e meio.
O presidente eleito foi banido do Twitter, mas como o mundo dá voltas, agora a plataforma pertencente a Elon Musk, apontado como responsável pela vitória nas urnas por ter se engajado pessoal e financeiramente na campanha eleitoral.
Musk é outro adversário da imprensa tradicional, usando sua conta no X para disparar impropérios a jornalistas e ao jornalismo como instituição a seus mais de 200 milhões de seguidores.
Trump e o efeito sobre a liberdade de imprensa global
Esse efeito pode ir além das fronteiras. Um mês antes das eleições, o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ) publicou um relatório sobre o impacto que o resultado do pleito poderia ter sobre a imprensa global.
O estudo aponta que nos últimos 30 anos, mudanças nas políticas americanas, como a restrição de liberdades civis, têm sido usadas como justificativa para medidas semelhantes em outros países restringindo a liberdade de imprensa, de acordo com a organização sediada em Washington.
Além disso, a retórica de “fake news” de Donald Trump “foi um exemplo para líderes autoritários desacreditarem a mídia em seus países”, e o Brasil foi um dos países que mais sofreu esse efeito, diz o documento.
O CPJ analisou as políticas e declarações dos dois candidatos e salientou as diferenças: “enquanto Trump mantém uma postura agressiva em relação à imprensa, o discurso de Kamala Harris sugere um relacionamento mais civilizado”.
O relatório levantou ainda a possibilidade de que Trump corte investimentos em redes de jornalismo de serviço público que atuam no exterior.
A organização Repórteres Sem Fronteiras divulgou um levantamento mostrando a elevação dos ataques de Trump à imprensa na reta final da campanha.
Foram citadas várias situações em que o então candidato insuflou seus seguidores a hostilizarem jornalistas que cobriam atos políticos, como a que aconteceu na Pensilvânia no último domingo.
A RSF demonstrou preocupação com a “normalização” dessa retórica, que não estava mais sendo registrada pela imprensa de tão corriqueira que se tornou.
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