Mais um feriado

26/04/2021

Muita gente me pergunta porque temos feriados, temos datas comemorativas que também são chamadas de efemérides. Na realidade isso é uma longa história que remonta a toda a história do ser humano. Todos nós sabemos que a vida é bastante dura e é por isso que nós precisamos de descanso, de arte e de ilusão. Uma das ilusões mais recorrentes na história do ser humano é a ilusão de mudança de que as coisas estão se transformando, de que estamos indo para algum lugar, por exemplo a ilusão de que o Brasil é um país novo e que está em transformação.

O Brasil não é um país novo, não está em transformação. Nós somos assim há 521 anos, não somos um país atrasado, somos cientificamente, do ponto de vista conceitual, um país dependente e é o nosso jeito de ser. Então depois de 521 anos podemos saber corretamente como é o jeito brasileiro de ser, e principalmente nós precisamos o tempo todo de ilusões como a ideia de que agora vai, o que acarretará no fato de que cada político que diz que vai combater a corrupção ganha a eleição, então proclamamos a independência para combater a corrupção, proclamamos a República para combater a corrupção, fizemos o governo Getúlio Vargas 15 anos seguidos para combater a corrupção, derrubamos Getúlio Vargas para combater a corrupção, colocamos Jânio Quadros no poder para combater a corrupção, e a história é longa vou parar por aqui porque é chata e você sabe o final disso. Elegemos sempre alguém que vai combater a corrupção e esse alguém se mostra mais corrupto do que aquele que foi derrubado. Então nessa necessidade de ilusão, nessa necessidade de que pensar que as coisas estão se transformando é que se cria ideia de ano. A palavra ano significa círculo. Bom, se é um círculo é fácil perceber que as coisas vão voltar para o mesmo lugar. É o caso por exemplo do mês chamado Janeiro, um belo nome, em homenagem ao deus grego Jano que era bifronte, ou seja, tinha dois rostos. Em janeiro temos muito de dezembro e já temos alguma coisa de fevereiro. Neste sentido é que surge a necessidade do feriado, uma vez que as pessoas se cansam logo e percebem que as coisas não vão mudar, pensemos: finalzinho de novembro início de dezembro e todos estamos sorrindo pensando no Natal, fazendo gentilezas, desejando um ano melhor e quando chega lá pelo dia 15 de março as coisas voltaram a ser o que sempre foram. Estão todos de cara amarrada, todo mundo lutando pelo pão de cada dia. Mas foi necessária a ideia de que o próximo ano seria melhor.

Eu nunca caí nessas conversas, em 2019 quando as pessoas falavam que ano horroroso, que ano ruim, que 2020 seja melhor eu dizia: agradeçamos ao ano que acabou nós não podemos saber o que vai acontecer no próximo ano. Mas as pessoas insistem, é por isso por exemplo que nós temos o carnaval. No carnaval as pessoas ‘soltam a franga’, ficam felizes por poderem pôr para fora o seu lado animalesco, mas logo vem a quaresma para mostrar que você já fez as suas coisas do lado do mal, agora é bom fazer uma reflexão sobre isso. Então nós vamos enchendo o ano e paradas, essas paradas são necessárias porque se eu estou infeliz naquilo que eu estou fazendo é claro que eu preciso parar. Vejamos bem, uma pessoa feliz no trabalho que realiza e gosta do que faz e que faz o que gosta essa pessoa ela tem para si o sábado e o domingo que são suficientes para que possa descansar. Mas, se eu estou num trabalho chato, enfadonho e rotineiro fico o tempo todo pensando em parar.

Então os países que têm muitos feriados são países nos quais a população não tem prazer no que faz, porque se eu faço o que eu gosto, mesmo que o meu salário seja pequeno, eu estou feliz com o que eu estou a fazer. Se eu gosto do que eu faço significa que eu trabalho numa coisa que não é muito agradável para mim, mas o salário é compensador, por isso que no mundo do marketing há uma diferença entre gostar do que faz e fazer o que gosta. O que acontece é que o povo brasileiro na sua grande maioria não se encaixa em nenhuma das duas: nem tem prazer no que está fazendo e nem tem salário tão alto que possa dizer vale a pena gastar tantas horas de trabalho porque com isso eu troco de carro, com isso eu compro uma área de lazer, com isso eu compro um iate... Como estamos longe disso, o melhor remédio para o governo é dar feriados porque quando a pessoa estiver locupletada de chatice, pronta para explodir no ambiente de trabalho, ela ganha um prêmio: o feriado. E terá a ilusão de que quando voltar as coisas serão diferentes. Claro que não será, pois, os problemas rotineiros do emprego estarão sempre lá se não forem resolvidos. Mas o feriado funciona como um controle político-social da angústia, da depressão. É uma paradinha para ver se a pessoa aguenta mais uma semana, é a mesma questão das férias que na verdade é apenas retirar a pessoa durante algum tempo da rotina, mas quando ela voltar continuará tudo do mesmo jeito.

O melhor a fazer é resolver essa dicotomia: ou eu faço o que gosto ou gosto do que faço. Quanto mais feriados tem um país psicanaliticamente poderemos dizer que mais triste é a sua população. O Japão tem pouquíssimos feriados, a China tem minguados feriados justamente porque a população gosta do que faz e faz o que gosta. Portanto precisamos achar um caminho para que o Brasil abandone esse círculo vicioso de uma população que está sempre precisando parar. Faça uma reflexão sobre você mesmo, se você no começo do ano, a primeira coisa que faz é pegar a folhinha para olhar quantos são os feriados tenha certeza de uma coisa, você não está bem. Troque de emprego ou busque um aumento de salário para ter um prazer naquilo que você está fazendo. É assim que há um controle social sobre os trabalhadores e esse controle se dá em inventar datas para ele parar, para ele comemorar, para ele às vezes, mas nem sempre, fazer uma reflexão sobre aquele acontecimento.

Os famosos feriados históricos Tiradentes, Independência e Proclamação da República têm duas razões, a primeira é ensinar a história do Brasil e a segunda é super importante, formar o povo brasileiro.

Veja, não existe o brasileiro, não existe o japonês, não existe o russo, não existe o chinês o que existe é o homem humano, mas os governos nos separam em territórios em adjetivos pátrios para que eles possam explorar o nosso trabalho, a nossa inteligência e ganhar dinheiro com isto. É preciso criar o povo brasileiro. O que é um povo? Um grupo de pessoas que têm uma história passada conjunta, que tem uma história presente conjunta e que quer ter uma história futura conjunta. Como se alcança isso? Por meio das aulas de história, nós vamos formando o brasileiro a partir do momento em que ele sabe que teve um Dom Pedro, que teve uma Leopoldina, que teve um Santos Dumont que houve um Fernando Henrique. É por meio das aulas de história e das comemorações das efemérides que se cria o povo brasileiro uma quantidade bastante grande de pessoas que trabalham, estudam, pagam impostos e, sobretudo, tem que comprar produtos produzidos pela indústria brasileira. Isso é um povo.

Concluímos que a função dos feriados, além de dar essa trégua (os feriados), também criam uma consciência e uma identidade, que leve esse povo ao desejo de viver junto e criar um país melhor. Um país com mais estudo, mais trabalho e mais tecnologia. Deste modo os feriados são importantes. É claro que tudo tem dois lados, os feriados muitas vezes custam extremamente caros, porque são uma parada que faz as usinas, as indústrias, as escolas diminuírem sua renda. Daí precisamos achar um caminho entre o excesso de feriados que tem no Brasil e os poucos feriados que existem na China, por exemplo. Para que nós tenhamos um caminho pelo qual possamos dar ao trabalhador, que não está feliz com seu salário ou com a sua rotina um pouco de alegria e ao mesmo tempo não prejudicar o desenvolvimento do país porque paramos muitas vezes, pelo menos uma vez por mês. É necessário que saibamos achar o caminho dessa regra de três, mas principalmente que cada pessoa individualmente busque fazer aquilo que gosta, que é útil para a sociedade e que dê dinheiro.

 

Autor: Egydio Neves Neto