Memento Moris
Perdoemos a frase em latim mas, como vocês sabem, ela é muito conhecida e significa a fugacidade da vida. Quando pensamos (Renata e Egydio) no próximo artigo, ficamos por vezes mais de uma semana pensando e discutindo sobre o que deveríamos escrever, e, às vezes, temos a impressão de que não vai ser possível escrever a próxima coluna. No entanto, e como acontece com a maioria dos brasileiros, na última hora um esboço de ideia nos vem.
Desta feita, estávamos pensando em falar na comemoração dos noventa anos desde que as mulheres conquistaram o direito de votar. Direito esse que tornou-se lei na constituição trabalhista de 1934, mas já escrevemos sobre as conquistas feministas e, como num insight, aparece-nos a figura de Arthur Schopenhauer, pois nesse início de ano vemos as pessoas desejarem-se feliz ano novo e votos de prosperidade, o que é muito bom. No entanto, as pesquisas nos mostram que esse pequeno período de bondade termina na primeira segunda-feira do mês de março, e aí começam as atribulações da vida moderna: as dívidas, o salário sempre menor, a doença, as preocupações com a vida, e, como já disse Chico Buarque, “...vai trabalhar, vagabundo, ganhar na fila do sangue pra mais um dia”. E é nesse corre-corre que o pacote de bondade se fecha e as pessoas se fecham e, na luta diária, esquecem dos votos feitos no princípio do ano e lutam cegamente até dezembro.
O grande Schopenhauer já havia dissertado longamente sobre isso. A vida do ser humano é sempre a mesma. Perdemos o paraíso quando saímos do ventre materno, a vida feliz das crianças, a luta dos adultos pelo pão de cada dia e a velhice doentia na qual enfrentamos a última luta. Isso ocorre independentemente dos governantes, das crises ou dos ciclos de prosperidade econômica. Quem era jovem e lutava pela vida nos anos do governo Collor dirá que naqueles tempos foi feliz ainda que não soubesse, e os economistas veriam com admiração e suspeita, pois foi uma época muito difícil economicamente falando. Porém, para as crianças e os jovens tudo é encantamento (eles correm atrás das borboletas e os velhos sabem que é impossível pegá-las). Schopenhauer, muito mal entendido pelas pessoas que não o leram, mas que o citam (internet), o chamam de pessimista, o que ele nunca foi.
Trata-se de um pensador capaz de criticar Hegel e de chamar a obra Hegeliana de loucura. Arthur tem um pensamento atemporal, pois ele fala da vida que nunca muda, desdenhando dos sonhadores, não de maneira pessimista, mas tratando da realidade. Os pessimistas sabem que tudo vai dar errado. Isso é uma burrice. Não podemos saber tal coisa e repetimos: Schopenhauer é atemporal. Os céticos duvidam das coisas e precisam ver para acreditarem. Então, estão melhores do que os pessimistas. Os otimistas veem rosa o que é cinza, portanto também estão longe da verdade. Assim Schopenhauer, os modernos e Manet olham a realidade na sua rapidez elétrica e percebem a fugacidade do momento. Os modernos percebem a tragédia da vida contemporânea, a infelicidade da humanidade cercada confortavelmente por seus gadgets (brinquedos eletrônicos) e ainda assim se sentem desconfortáveis, diríamos nós, no paraíso. A própria Bíblia, no Eclesiastes, fala, por meio de Quelot (o Sócrates dos judeus): “não há nada de novo sobre o mundo, os ricos riem e os pobres choram”.
Nesse sentido, há uma perfeição no quadro de Édouard Manet “O bar do Folie-Bergére”, de 1882, que mostra uma garçonete olhando no espelho do bar. Ela está triste enquanto os outros se divertem. Talvez nos sintamos, assim como Suzon (a garçonete), infelizes enquanto os outros estão a sorrir, principalmente se acreditamos nas postagens da Web, mas o que Manet nos mostra é que, apesar da velocidade dos dias modernos, é possível tornar um frágil momento de felicidade num instante eterno de alegria, e assim conseguiríamos viver o dia a dia tempestuoso com um sorriso de quem sabe que tudo passa, mas os instantes felizes ficam na nossa memória para sempre.
Prof. Egydio Neves Neto
Prof. Renata Neres