Américo Perin
Em pleno mês de março do ano de 1964, eu, o Neto e o Laércio morávamos na pensão do Germani, em Lins, na região noroeste do estado. Estudantes, vida boa e despreocupados com o que corria pela política nacional, procurávamos afastar a saudade de casa fazendo novos amigos por ali.
Lá na nossa pensão, morava também um certo cabo do exército – Lins tinha e ainda tem um quartel com um grande contingente bélico pronto para defender a pátria contra os comunistas – e dele só se sabia o nome: Cabo Mathias, pois como cabe a toda grande autoridade, não convém a intimidade com pessoas de menor importância. O Cabo Mathias estava sempre imponente dentro da sua farda que ostentava as duas divisas que sugeriam a autoridade da qual estava investido. Não falava com ninguém. Talvez estivesse sempre preocupado com a sua responsabilidade na guerra, sei lá contra quem...
Mas eis que, na tarde do dia primeiro de abril daquele ano, estávamos eu e o Neto na sala de aula do “21 de Abril”, quando lá da rua nos chamava o Laércio – naquele tempo, as escolas não precisavam ficar protegidas pelos altos muros que possuem hoje – e lá fomos nós correndo pra casa torcendo para que a única gasolina restante no tanque do Gordini fosse suficiente para chegarmos até a pequenina Três Lagoas, lá em Mato Grosso.
A confusão era grande. Postos de gasolina fechados para garantir a mobilização dos veículos militares, supermercados sendo fechados, veículos particulares sendo confiscados pelos militares, que se preparavam para deslocar a tropa, pegando a estrada que vai para o sul do país e combater algum inimigo que por lá houvesse.
Naquele ambiente hostil e cheio de incertezas, aconteceu o pior: o Cabo Mathias adoeceu!!! Logo ele (!!!) que parecia tão necessário para os momentos de heroísmo que certamente viriam... Agora, era visto circulando pela pensão do Germani vestindo um pijama e ostentando um semblante muito abatido... Dessa forma, desfalcadas, as tropas marcharam ao encontro do engenheiro Brizola sem ele, o Cabo Mathias...
Grandes empresários patrocinavam a caça dos que se declaravam ser comunistas. Ninguém votou para presidente por 21 anos, mas a economia do país cresceu, a educação e a saúde deram um grande salto para uma qualidade melhor, grandes obras aconteceram (sem desvio de dinheiro público) e o próprio Lula declarou que, naquele período, não havia filas em frente aos sindicatos dada a grande oferta de empregos! E mais! As empresas faziam concorrência entre si para pagar mais, com a finalidade de atrair funcionários!
Dizia-se nos quartéis, à boca pequena, que, na verdade, a revolução aconteceu mesmo depois da meia noite do dia 31 de março, pois os nossos militares aguardavam um sinal do Tio Sam, que estava posicionando seus fuzileiros navais em pontos estratégicos da nossa costa marítima (vai que a “coisa” não desse certo...). Bem, se isso for verdade, a comemoração da data foi alterada por motivos óbvios dada a característica do bom humor da nossa gente.
Ah! Quase ia me esquecendo. As tropas de Lins voltaram do meio do caminho por falta de inimigo para combater. Na sua chegada a Lins, fez-se feriado, as senhoras marcharam juntas à tropa “pela família e pela liberdade” e ao som dos tambores, à frente do desfile, garboso e imponente, lá estava o Cabo Mathias, que sarou subitamente da misteriosa enfermidade que o incomodou durante todo o tempo em que a tropa esteve fora.
Viva o Brasil! E, como disse uma vez um coronel:
“Eu só queria ter metade da autoridade que um cabo pensa que tem...”