SAÚDE - Médicos criticam aprovação de projeto da 'pílula do câncer'

Para Alexandre Monteiro, que luta há 9 anos contra o câncer, projeto é alento
14/03/2016

A Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que autoriza a produção da fosfoetanolamina e uso por pacientes com câncer, em votação realizada na noite da última terça-feira,8.

O projeto exige apenas que os pacientes que queiram fazer o uso do medicamento apresentem laudo médico para confirmação do diagnóstico e termo de responsabilidade.

Para ter validade, porém, o projeto ainda precisa ser aprovado pelo Senado Federal e pela Presidência da República.

A decisão divide opinião de pacientes, que veem na substância uma esperança, e da classe médica, que cobra estudos antes de qualquer aprovação.

Alexandre Monteiro, 24 anos, em tratamento há nove contra um câncer no cérebro, comemora a decisão: “Para o paciente é fundamental ter esperança. O medicamento é uma opção muito válida.”

Ele não tem opções de tratamento. As quimioterapias aplicadas não tiveram resultado e a radioterapia debilitou ainda mais o cérebro. “Se não fizer bem, não vai fazer mal”, opina. Para a oncologista Liane Rapatoni, médica do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, não há justificativa para a aprovação.

“É uma decisão arbitrária, sem estudos, sem dados. É preciso pesquisar.” 
O oncologista Harley Francisco de Oliveira, professor Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Radioterapia, faz coro.

“Eu não concordo e não acho essa aprovação saudável. Estamos oferecendo uma falsa esperança, sem qualquer comprovação de benefício”.

A fosfoetanolamina começou a ser pesquisada pelo Instituto de Química da USP São Carlos, que estaria distribuindo o medicamento para pacientes sem os devidos estudos.

Após muito vai e vem judicial, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo designou o Instituto do Câncer de São Paulo (ICESP) para realizar testes clínicos do medicamento, aprovados nessa semana.

Para o médico Harley, é preciso dar ao paciente tratamento devidamente certificado. “O paciente de câncer acaba buscando uma fórmula mágica. Dar uma falsa esperança é antiético”, critica. 
Alexandre continua esperando a liberação. “Há muitos relatos de que traz benefícios. É opção.”

Pesquisa em humanos é aprovada 

A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde (Conep) aprovou na semana passada pesquisas clínicas da substância fosfoetanolamina, que serão realizadas pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, a pedido do Estado. 

Também na semana passada, o Estado anunciou que o laboratório PDT Pharma, de Cravinhos, será o responsável por produzir a substância. 

A Universidade de São Paulo cedeu ao Estado o direito à pesquisa e produção da substância.

Por ora, dez pacientes participarão do teste, que vai avaliar a segurança da dose a ser utilizada. A estimativa é de que, até o final dos estudos, mil pacientes sejam avaliados. 

Para o médico Harley, seria necessária a análise em animais antes da aplicação clínica. “O Conep foi pressionado”, afirma. 

A médica Liane concorda com o estudo. “A gente tem várias drogas sendo estudadas e aprovadas que têm impacto importante para o paciente. Mas os estudos são necessários.” 

‘Desespero é o pior conselheiro’

A aprovação do projeto pela Câmara é uma interferência do Legislativo sobre o Poder Executivo, que tem um órgão que regula a distribuição, comercialização, uso de medicamentos. A Anvisa é responsável por esses processos. Por pressão popular, motivos eleitorais, estão passando por cima dos órgãos reguladores. Nós, médicos, vamos continuar defendendo que substâncias que não tenham comprovação científica não sejam utilizadas. O desespero é o pior conselheiro. Ninguém desesperado toma a decisão ideal. Validaram uma decisão baseada no desespero. O paciente de câncer também apresenta esse desespero. É preciso manter a racionalidade. Em vez de fortalecer a pesquisa, a Câmara está criando atalhos. Mas nenhum deputado vai se responsabilizar quando um paciente evoluir mal.

Gustavo dos Santos Fernandes,                     presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Portal A Cidade)