AMÉRICO PERIN
Vejam só como estão as coisas. Na contramão do que aprendi nesses últimos 79 anos e alguns meses, acontecimentos, costumes sociais, enfim o modo de viver atual, está me deixando confuso. Ou meu tempo passou e está na hora de cair fora ou, sei lá, alguma coisa está muito errada.
Antes de tudo, vamos deixar bem claro que sou um naturalista apaixonado e muitíssimo preocupado com o bem-estar dos animais e das plantas. Pratiquei o escotismo por décadas e inclusive sou o fundador do grupo que ainda está por aí na nossa cidade. Mas tenho a impressão que o bom senso está sendo deixado de lado pelos meus pares naturalistas.
Nós humanos, aos poucos, fomos deixando de morar nas matas, evoluímos como espécie e nos “aglutinamos” em ruas, bairros e formamos nossas cidades. Afinal, somos seres gregários e não podemos contrariar nossa natureza. Acontece que junto conosco fomos trazendo um pouco da vida “selvagem”; aí estão os gatos, as galinhas, os cachorros, as árvores das nossas calçadas e quintais... Trouxemos isso tudo para não contrariar totalmente a forma como fomos criados: à imagem e semelhança de Deus. Não é isso?
Acontece que, por nossa própria incompetência e contradizendo nosso desejo de viver, iniciamos vários processos de degradação do planeta – diga-se de passagem, do relacionamento humano também. Percebido isso, muitos de nós reagiram e aos poucos as vozes de defesa da natureza foram sendo ouvidas. O barulho foi
tanto que, na ânsia de não estragar o mundo, incoerentemente lá se foi o bom senso.
Explico: sabe aquela árvore que um dia você plantou na frente da sua casa, com a maior das boas intenções e atendendo a um processo atávico? Ninguém lhe orientou tecnicamente sobre o plantio nem sobre a melhor espécie a escolher, até porque naquele tempo não existiam pessoas para essa tarefa, lembra-se disso? Pois é, a árvore cresceu fora do seu habitat natural e se transformou num enorme problema: as raízes quebram a calçada, fazendo as pessoas tropeçarem; As folhas caem a as pessoas escorregam, caindo também, galhos quebram e causam danos... E agora você não pode erradicá-la nem substituir por outra: É LEI! É CRIME AMBIENTAL que pode lhe custar, além de uma boa multa, até alguns anos de férias forçadas...
E aquele cachorrinho, cujo antepassado você trouxe da floresta para lhe fazer companhia... Pois é, se ele estiver perambulando pelas ruas – eu conheço pelo menos um caso desses – e ter criado o mau costume de atacar os humanos que passam por ele (talvez para se vingar de terem-no tirado da natureza), você não pode fazer nada, a não ser mudar seu caminho. É ser atacado e não se defender, pois poderá acontecer uma punição por mau-trato aos animais, isso também é previsto em LEI. Agora, se esse mesmo cachorrinho contrair uma doença, aí sim, ele será recolhido pelas autoridades, tratado com o dinheiro dos seus impostos e muito provavelmente devolvido às ruas, pois ninguém vai adotar um bicho adulto e mal-humorado...
Conclusão: vou voltar para a floresta. Lá tem ar puro, somente o ruído da natureza, se algum bicho malvado me atacar eu me defendo e, o melhor, não vou pagar mais impostos... Deixo aqui a minha cidade para as plantas e para os animais (de toda espécie).
Só tem um problema. Voltar para lá implicará em ter que derrubar algumas árvores para abrir espaço e construir onde morar. Onde consigo autorização para isso?
Tem certeza?!