Tempos sombrios para a Advocacia

Sem medo de errar, em 22 anos como apaixonado profissional do Direito, não tenho receio em afirmar que estamos na fase mais sombria, lamentável e constrangedora da minha carreira. E muito deste constrangimento se deve ao STF. Acompanhar os noticiários me causa tristeza profunda. Curioso observar a brutal incoerência dos ministros do STF, pois os mesmos argumentos usados para absolver o Presidente Lula de 9 condenações sob a justificativa da parcialidade do juiz Sergio Moro agora vêm sendo utilizado para cometer perseguição política e calar os seus críticos. O mundo dá voltas!
Não se está aqui isentando de responsabilidade o ex-juiz Sérgio Moro. Realmente as conversas de WhatsApp vazadas pelo jornalista Glenn Greenwald são inescusáveis. Por exemplo, o juiz quebrava sigilos, prendia por tempo excessivo investigados sem fundamento jurídico para tal, participava de grupo de WhatsApp com promotores de justiça, orientando-os dos melhores caminhos processuais/jurídicos. A relação entre acusador e julgador revelou-se bastante promíscua e antiética, para dizer o mínimo. E migrar para a política em 2018 só deu margem para seus opositores, que o julgavam de condutas de ator político em suas decisões jurídicas.
Por outro lado, me filio à corrente doutrinária que relativiza a valoração das provas criminais em prol do combate à corrupção. Para mim, a corrupção se assemelha ao assédio sexual ou moral, no qual o agente agressor geralmente o faz “na calada da noite” e não em público. Como a obtenção da prova cabal, nestes casos, é desafiadora, entendo ser justo considerar vários indícios de provas na formação de uma prova contundente. Sem esquecer de mencionar que o combate à corrupção é algo tão relevante num país subdesenvolvido como o Brasil que justificaria tal forma de atuação.
O que ocorre com o STF – mais especificamente com o Min. Alexandre de Morais - vem se revelando muito pior, sendo visto como um ministro que acumulou poderes demais e tem desrespeitado garantias constitucionais, ferindo o sistema democrático que pretende preservar. À frente de inquéritos controversos abertos de ofício pelo próprio STF, o ministro já determinou centenas de prisões, suspensão de contas em redes sociais e até mesmo o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, sob a justificativa de conter ataques à Corte e ao Estado Democrático de Direito.
As investigações concentradas no gabinete de Moraes tiveram origem no chamado Inquérito das Fake News, alvo de controvérsia jurídica já no seu início, por ter sido aberto no início de 2019 por decisão direta do então presidente do STF, Dias Toffoli. Isso foi feito à revelia da Procuradoria-Geral da República - ou seja, sem a participação do Ministério Público, que é a instituição responsável por investigar e denunciar criminalmente no país, segundo a Constituição Federal. A partir daí, outros inquéritos foram instaurados, como os que investigam atos antidemocráticos ou a atuação de milícias digitais. Em vez de a relatoria dessas investigações serem sorteadas entre os ministros do STF, elas foram mantidas com Moraes, sob a justificativa de apurarem possíveis crimes relacionados ao inquérito inicial.
Segundo um levantamento da Defensoria Pública da União, em ao menos seis casos, Moraes estabeleceu a prisão preventiva contrariando a posição do Ministério Público, que havia recomendado a liberação da pessoa ou outras medidas, como prisão domiciliar.
Encerro aqui com a reflexão do professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) João Pedro Pádua: "A lógica do Estado de Direito foi criada lá no século 18, principalmente contra o absolutismo monárquico, que era o símbolo da concentração de poder. Então, a lógica do Estado de Direito é dividir poder, evitar que uma autoridade só, por mais poderosa que ela seja, decida sobre tudo. Porque, se essa autoridade falhar, e é previsível que ela vá falhar, ninguém mais tem proteção em lugar nenhum".
Marcelo Fortes Giovannetti, graduado e pós-graduado em Direito pela PUC/SP, com especialização em Direito Empresarial do Trabalho, Direito Concorrencial e Regulatório FGV. Contato: marcelo.fortes@mfglaw.com.br