TST uniformiza jurisprudência sobre dispensa de dependente químico
COLUNA DR MARCELO DV
TST uniformiza jurisprudência sobre dispensa de dependente químico
Nesta semana, tivemos uma importante decisão da SDI-1 do TST sobre a dispensa de trabalhadores dependentes químicos. Antes de aprofundar no tema, cabe uma explicação pontual: SDI significa Seção de Dissídios Individuais, ou seja, demandas ajuizadas por empregados.
A SDI é composta por um colegiado expressivo de 14 juízes, bem acima da composição das Turmas (apenas 3 juízes). A SDI tem um papel muito importante de uniformizar a jurisprudência do TST. Geralmente, os casos chegam à SDI porque as 8 Turmas do TST estão entendendo de forma discordante sobre a mesma matéria. Logo, as decisões da SDI têm a relevante missão de “estabilizar a jurisprudência”.
As decisões uniformizadas do TST são chamadas de “Súmulas”. Isso quer dizer que todas as Turmas do TST, todos os Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) e todos os juízes de 1ª instância devem aplicar as súmulas do TST, a fim de cumprir um conceito que chamamos de “disciplina judiciária”.
Não há obrigação formal dos juízes aplicarem as súmulas do TST, mas, na prática forense, observo que os juízes as adotam, mesmo que discordem do mérito. Eu creio que agem assim, não só pela supramencionada disciplina judiciária, mas também porque sabem que a decisão seria inócua, pois os tribunais superiores reformariam os seus julgados.
Dito isso, vamos às novidades: nesta semana, a SDI-1 do TST pacificou jurisprudência no sentido de considerar como discriminatória a demissão de um empregado em razão da dependência química. O fundamento que inspirou esta decisão é a Súmula 443 do TST, que “presume discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito".
O mais interessante desta decisão reside no fato que as empresas contestavam tal argumento alegando baixa produtividade, o que, convenhamos, parece um argumento bastante justo. Mas o TST definiu pela decisão desta semana que o argumento de baixa produtividade não basta para a dispensa de um trabalhador que sofre de dependência química.
Mais que isso, a decisão da SDI-1 do TST passa adotar o entendimento que a dispensa de dependente químico, por si só, gera a presunção de discriminação (Súmula 443) e que cabe à empresa o ônus de provar que a dispensa foi pautada por outras razões que não a dependência química. Esta inversão do ônus da prova se deve ao fato que o TST vem observando ser muito difícil para um trabalhador provar que sua própria dispensa foi discriminatória.
Interessante pontuar que o TST concluiu ainda ser razoável que o trabalhador nestas condições de saúde terá a redução de sua capacidade e produtividade laborativa. E tudo bem. Não dá para ser 100% produtivo nas condições de um dependente químico. Neste sentido, o argumento de dispensa por redução de produtividade, segundo o TST, será desconsiderado juridicamente.
A dependência química é reconhecida pela comunidade médica e científica como uma doença. Ela é caracterizada por mudanças neurobiológicas e psicossociais que afetam o funcionamento do cérebro e o comportamento da pessoa. Importante destacar que a dependência química tem relação intima com dois fatores: genético e ambiental, sendo influenciada por uma combinação complexa que inclui predisposição genética, história familiar, traumas, problemas de saúde mental e pressões sociais.
Há estudos científicos maduros concluindo que a dependência química de natureza genética tem abrangência em cerca de 40% a 60% entre todos os dependentes.
Inegavelmente, a decisão do TST revela elevada sensibilidade social. Mas cabe refletirmos – em um outro espaço aqui no jornal – se é justo obrigar a empresa a manter em seus quadros um trabalhado sem condições de produzir. O pagamento salarial tem relação direta com o trabalho efetuado. O governo deveria cuidar desta questão, e não transferir para as empresas privadas mais uma responsabilidade e ônus desproporcionais.
Marcelo Fortes Giovannetti, graduado e pós-graduado em Direito pela PUC/SP, com especialização em Direito Empresarial do Trabalho, Direito Concorrencial e Regulatório FGV. Contato: marcelo.fortes@mfglaw.com.br.